sexta-feira, 29 de abril de 2011

Parte: VII

Uma noite, em que me achava sentado, meio aturdido, num antro mais do que infame, tive a atenção despertada, subitamente, por um objeto negro que jazia no alto de um dos enormes barris, de genebra ou rum, que constituíam quase que o único mobiliário do recinto. Fazia já alguns minutos que olhava fixamente ao alto do barril, e o que então me surpreendeu foi não ter visto antes o que havia sobre o mesmo. Aproximei-me e toquei-o com a mão. Era um gato preto, enorme tão grande quanto Pluto  e que, sob todos os aspectos, salvo um, assemelhava a ele. Pluto não tinha um único pêlo branco em todo o corpo – o bichano que ali estava possuía uma mancha larga e branca, embora de forma indefinida, a cobrir-lhe quase toda a região do peito.

Ao acariciar-lhe o dorso, ergueu-se imediatamente, ronronando com força e esfregando-se em minha mão, como se a minha atenção lhe causasse prazer. Era, pois, o animal que eu procurava. Apressei-me em propor ao dono a sua aquisição, mas este não manifestou interesse algum pelo felino. Não o conhecia,  jamais o vira antes.

 Continuei a acariciá-lo e, quando me dispunha a voltar para casa,  o animal demonstrou disposição de acompanhar-me. Permiti que o fizesse – detendo-me, de vez em quando, no caminho, para acariciá-lo. Ao chegar, sentiu-se, imediatamente à vontade, como se pertencesse à casa, tornando-se, logo, um dos bichanos preferido de minha mulher.

De minha parte, passei a sentir logo aversão por ele. Aconteceu, pois, justamente o contrário do que eu esperava. Mas a verdade é que – não sei como nem porque  - seu evidente amor por mim me desgostava e aborrecia.  Lentamente, tais sentimentos de desgosto e fastio se converteram no mais amargo ódio. Evitava o animal. Uma sensação de vergonha,  bem como a lembrança da crueldade que praticara impediam-me de maltratá-lo fisicamente. Durante  algumas semanas, não lhe bati nem pratiquei contra ele qualquer violência; mas, aos poucos – muito gradativamente -, passei a sentir por ele inenarrável horror, fugindo, em silêncio, de sua odiosa presença, como se fugisse de uma peste.

Sem dúvida, o que aumentou o meu horror pelo animal foi a descoberta, na manhã do dia seguinte ao que o levei para casa, que, como Pluto, também havia sido privado de um dos olhos. Tal circunstância, porém, apenas contribuiu  para que minha mulher sentisse por ele maior carinho, pois, como já disse, era dotada, em alto grau, dessa ternura de sentimentos que constituíra, em outros tempos, um de meus traços principais, bem como fonte de muitos de meus prazeres mais simples e puros. 

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