sexta-feira, 29 de abril de 2011

Parte: IV

Quando, com a chegada da manhã, voltei à razão –  dissipados já os vapores de minha orgia noturna -, experimentei, pelo crime que praticara, um sentimento que era um misto de horror e remorso; mas não passou de um sentimento superficial e equívoco, pois minha alma permaneceu impassível. Mergulhei novamente em excessos, afogando logo no vinho a lembrança do que acontecera.

Entrementes, o gato se restabeleceu, lentamente. A órbita do olho perdido apresentava, é certo, um aspecto horrendo, mas não parecia mais sofrer qualquer dor. Passeava pela casa como de costume, mas, como bem se poderia esperar, fugia, tomado de extremo terror, à minha aproximação. Restava-me ainda o bastante de meu antigo coração para que, a princípio, sofresse com aquela evidente aversão por parte de animal que, antes, me amara tanto. Mas esse sentimento logo se transformou em irritação. E, então, como para perder final e irremissivelmente, surgiu o espírito da perversidade. Desse espírito, a filosofia não toma conhecimento. Não obstante, tão certo como existe minha alma, creio que a perversidade é um dos impulsos primitivos do coração – uma das faculdades, ou sentimentos primários que dirigem o caráter do homem. Quem não se viu, centenas de vezes, a cometer ações vis  ou estúpidas, pela única razão de que sabia que não deveria cometê-las? Acaso não sentimos uma inclinação constante. Mesmo quando  estamos no melhor de nosso juízo, para violar aquilo que é lei, simplesmente porque a compreendemos como tal? Esse espírito de perversidade, digo eu, foi a causa de minha queda final. 

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