sábado, 26 de fevereiro de 2011

Estratégias de Leitura

4.1 Reconhecer e determinar as ideias principais

A capacidade de separar os aspectos essenciais dos detalhes é um dos factores que diferenciam os leitores na sua eficácia e está muito associado à compreensão do texto e à sua recordação posterior. Aquilo que o leitor considera mais importante assume maior relevo no acto de leitura e por isso é mais facilmente memorizado. Como já referimos, os leitores mais eficazes têm maior capacidade de destrinçar e seleccionar os elementos importantes do texto e por isso aquilo que guardam na memória resulta de um trabalho selectivo em que o «trigo» já está separado do «joio». Por isso, os elementos mais importantes ficam menos sujeitos ao esquecimento. Os bons leitores procuram avaliar o texto a partir de várias frentes, incluindo o seu conhecimento sobre o autor (tendências, intenções, objectivos...) e usam o seu conhecimento da estrutura do texto para identificar e organizar a informação.

Durante a leitura, estes leitores envolvem-se activamente num trabalho de pesquisa, durante o qual reflectem acerca das ideias encontradas no texto e da sua importância relativa. Esta pesquisa faz com que a leitura seja uma actividade selectiva. Estes leitores não se restringem a seguir o percurso linear do texto. Lêem e relêem algumas passagens, dão saltos para trás, a fim de comparar algumas passagens com outras já lidas anteriormente e de clarificar ideias. Certos trechos considerados importantes, contraditórios ou pouco claros são mantidos presentes na memória de trabalho, de modo a clarificá-los à medida que novas passagens, com eles relacionadas, vão sendo lidas.

No final da leitura, os bons leitores têm consciência de até que ponto conseguiram obter um quadro de representação coeso sobre o texto, ou seja, até que ponto compreenderam as suas ideias principais e, caso verifiquem que não compreenderam, ou que existem lacunas, empenham-se de novo na leitura do texto para clarificar o seu significado.

Por fim, os bons leitores são mais capazes de determinar as ideias importantes do texto, não apenas em função das intenções do autor, mas igualmente em função dos seus próprios objectivos de leitura, tendo o discernimento para perceber quais as partes do texto que se relacionam com esses objectivos.

A identificação das ideias principais é também influenciada por elementos próprios do texto, como o tipo de vocabulário usado pelo autor, a quantidade de pormenores de apoio às ideias principais ou a presença de tópicos específicos sobre essas ideias (Andre, 1987; Goetz e Armbruster, 1980). Há aqui uma pista interessante do ponto de vista educativo, quanto à redacção de textos didácticos, de modo a evitar alguns erros usuais. É frequente, por exemplo, vermos textos de manuais escolares dirigidos a crianças redigidos com vocabulário demasiado complexo, pouco frequente na linguagem de uso corrente ou pouco compatível com o nível de desenvolvimento e capacidade de abstracção linguística dos seus destinatários.

4.2 Sumariar a informação

Trata-se de uma actividade mais geral que a anterior. A sumariação implica que o leitor sintetize grandes unidades de texto, condensando as ideias principais e recriando um novo texto coeso e coerente com o original. A função desta estratégia é clarificar as ideias principais do texto e as suas interacções.

A sumariação implica o recurso a operações cognitivas como: seleccionar umas informações e anular outras; condensar algumas informações e substituí-las por conceitos mais gerais e inclusivos; integrar as informações seleccionadas numa representação coerente, compreensível e resumida do texto original (Dole et al., 1991). Ora, estas operações estão altamente relacionadas com o nível de desenvolvimento do leitor. Os estudos (cf., Gagné, 1985; Dole et al., 1991) mostram que embora quase todas as crianças consigam sintetizar a estrutura principal de narrativas simples, as mais novas têm desempenhos fracos na sumariação de texto complexos sobre as mesmas narrativas.

A sumariação relaciona também a estrutura do texto com o conhecimento prévio: os textos bem estruturados e que descrevem acontecimentos familiares ao leitor têm maiores probabilidades de serem compreendidos, sintetizados e memorizados.

O treino da sumariação é uma actividade eficaz, pois permite ao aluno reconhecer a estrutura do texto, favorecendo a memorização de passagens importantes, uma melhor compreensão das relações de subordinação entre ideias e melhor capacidade de detectar as palavras-chave do texto (Oakhill e Garnham, 1988; Andre, 1987; Gagné, 1985).

4.3  Efectuar inferências sobre o texto

Muitos autores defendem que esta estratégia é o centro vital da compreensão. Ela está presente na leitura de quaisquer textos, dos mais simples aos mais complexos, tanto em adultos como em crianças. A inferência permite chegar a uma compreensão mais aprofundada do que a mera compreensão literal do texto. Compreender um texto implica inferir sobre o que se lê (título, tema, objectivos, enquadramento do texto...), a partir daquilo que se sabe (Anderson e Pearson, 1985; Dole et al., 1991; Andre, 1991; Gagné, 1981). A inferência permite dar coerência ao que se lê, extrair novas informações a partir do que está escrito, evocar informações que devem ser adicionadas ao texto e completá-lo (Van de Velve, 1989).

Ao ler num jornal um artigo de opinião, fazemos inferências acerca das razões pelas quais o autor escreveu o artigo, porque o publicou naquele jornal e não noutro, porque defendeu certos argumentos, porque evocou uns factos e deixou outros omissos... Fazemos tais inferências a partir de conhecimentos e crenças que entendemos serem relevantes (p. ex., aquilo que sabemos acerca do autor, do jornal e do tema abordado).

Estes conhecimentos são filtrados pelos valores, opiniões e emoções: ao ler podemos sentir-nos irritados, revoltados, divertidos, comovidos, apaziguados,... Sabe-se que os bons leitores avaliam e respondem afectivamente àquilo que lêem, de um modo tanto mais intenso quanto maior o seu interesse sobre o assunto lido (Pressley et al., 1997). Ou seja, fazem uma leitura emocionalmente activa na qual não se limitam a memorizar automaticamente a informação, mas antes a interpelam a partir de uma posição crítica.

4.4 Gerar questões sobre o texto

Trata-se de um procedimento relacionado com a inferência e que, como noutras estratégias, também distingue os leitores mais e menos proficientes. Os resultados da investigação mostram que a capacidade de colocar questões pertinentes sobre os conteúdos do texto permite ao leitor aprofundar a compreensão sobre esses conteúdos. Na sua maioria, estes estudos (citados por Andre, 1987; Dole et al., 1991; Oakhill e Garnham, 1988) salientaram as seguintes implicações para o ensino da leitura:

         Treinar os alunos a responderem questões sobre o texto permite-lhes compreender informações sobre histórias a serem apresentadas posteriormente, já sem necessidade de recorrer a questões auxiliares como as que foram utilizadas num treino inicial.

         Se os alunos forem ajudados a produzir as suas próprias questões isso os ajudará a melhorar a compreensão do texto.

4.5 Monitorar a compreensão (metacognição)

A metacognição é a capacidade de estar consciente dos próprios processos de pensamento: é o pensar sobre o pensar, a auto-avaliação que nos permite dizer «estou a compreender». Durante a leitura, a metacognição inclui duas componentes distintas:

         Estar consciente da qualidade e do grau de compreensão – esta componente implica que o leitor seja capaz de detectar incongruências no texto e de se implicar activamente na resolução deste problema. Os leitores mais novos, tal como os menos proficientes, têm mais dificuldade em detectar e resolver estas incongruências. Contudo, na maioria dos casos, as incongruências são detectadas quando o conhecimento prévio é insuficiente para se compreender o que se lê («Não percebo. Isto é novo, está relacionado com quê?») ou quando contradiz aquilo que se lê («Isto vai contra o que eu sei acerca deste assunto!»).

         Saber o que fazer e como fazer quando se descobrem falhas na compreensão – este é um aspecto capital no desenvolvimento da mestria na leitura e uma das diferenças mais acentuadas entre leitores de baixo e de alto nível de mestria.

Seguindo a síntese apresentada por Dole et al. (1991) podemos dizer que os bons leitores são mais capazes de: gerir a energia e o tempo que gastam para resolver problemas de leitura; utilizar os recursos disponíveis (por exemplo, repetir a leitura de uma passagem anterior para compreender melhor outra que se segue); e adaptar as estratégias que utilizam, de um modo flexível, às diferentes circunstâncias.

Em contrapartida, e de acordo com Garner (1988), verifica-se que os leitores mais novos ou inexperientes têm pouca consciência da necessidade de encontrar sentido para o texto; encaram a leitura mais como um processo de decomposição do que de atribuição ou procura de significado; têm dificuldade em identificar os momentos em que não estão a perceber o texto; e têm dificuldade em encontrar estratégias compensatórias (tal como reler o texto, estudar com mais detalhe os segmentos difíceis ou sumariar) quando não compreendem o que leem.

Estas diferenças metacognitivas entre leitores dão-nos um indicativo sobre algumas sugestões práticas para o ensino da leitura, que se podem traduzir numa ideia básica: se o aluno aprender a conversar consigo próprio acerca do que leu e compreendeu e se, adicionalmente, lhe forem dadas instruções sobre como agir quando verifica que não compreende, ele poderá tornar-se mais consciente do seu estilo de leitura, da sua eficácia e das alternativas para melhorar a compreensão.

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