sexta-feira, 27 de abril de 2012

FORMAÇÃO: A NOVA ORDEM DAS COISAS

'O jovem guia sua carreira por um propósito e por prazer'


A presidente da agência de recrutamento Cia. de Talentos fala de dúvidas que atormentam novos profissionais no mercado de trabalho. E como fugir delas

Nathalia Goulart

Há quase três décadas, a consultora de recursos humanos Sofia Esteves trabalha com jovens em início de carreira. Sua missão é ajudá-los a identificar os melhores caminhos para ingressar no mercado de trabalho. Sua experiência a levou à especialização na chamada geração Y, jovens nascidos entre as décadas de 1980 e 1990, inquietos e capazes de desenvolver várias tarefas simultaneamente, fruto da era digital em que cresceram e do consequente acesso quase irrestrito à informação. "Estamos falando aqui de um jovem que é guiado por propósito e prazer", diz Sofia. Profissionalmente, porém, eles são indecisos, têm dificuldade em encontrar um curso e em fazer parte de empresas que ainda não se adaptaram à nova realidade. "Existem hoje mais de 22.000 cursos à disposição e o jovem sente dificuldade em escolher aquele com o qual se identifica de verdade. O que acontece na prática é que essa é uma geração que aprende pela tentativa e erro." O remédio, diz Sofia, é o autoconhecimento. "Tudo o que o jovem puder fazer para se conhecer melhor é válido, encurta caminhos." Sofia colocará todo o seu know-how agora à disposição de jovens talentos. Ela é parceira do Prêmio Jovens Inspiradores, iniciativa de VEJA.com e da Fundação Estudar que vai selecionar estudantes ou recém-formados com espírito de liderança e compromisso permanente com a busca da excelência: os vencedores ganharão iPads, bolsas de estudo no exterior e um ano de orientação profissional com nomes de destaque do meio empresarial e político (mentoring). As inscrições no Prêmio se encerram neste domingo. Confira a entrevista que Sofia concedeu ao site de VEJA.

Quais as características da geração Y? Estamos falando aqui de um jovem que é guiado por propósito e prazer. Ele precisa se identificar com algo para poder se dedicar verdadeiramente a ele. Profissionalmente, isso gera um impasse, porque ele está exposto a um volume muito grande de oportunidades. Existem hoje mais de 22.000 cursos à disposição e o jovem sente dificuldade em escolher aquele com o qual se identifica de verdade. O que acontece na prática é que essa é uma geração que aprende pela tentativa e erro: o jovem ingressa em um curso, não gosta e desiste. E assim ele segue até encontrar um que lhe dê prazer. Por outro lado, a geração Y é mais colaborativa e já sabe quais são seus valores e ética. E já está cientificamente comprovado que são mais inteligentes do que as gerações anteriores.

Esses jovens são mais imaturos? Sim. Os pais da geração Y vieram de um ambiente mais repressor e costumaram oferecer tudo aos filhos. Como consequência, os jovens crescem com menos responsabilidade e costumam ter tudo nas mãos. O processo de amadurecimento é postergado.

Como um jovem assim faz para descobrir o que realmente o interessa? Tudo passa pelo autoconhecimento. Tudo o que o jovem puder fazer para se conhecer melhor é válido, encurta caminhos. Sempre recomendo aos jovens que consultem pais, professores e amigos e os questionem quais os talentos são mais salientes em sua personalidade. Identificar a percepção que pessoas próximas têm de nós nos ajuda a perceber quais são nossos traços mais fortes. Aliado a isso, existe um exame de consciência intenso que precisa ser feito. Questionar-se sobre os valores e desejos ajudam a construir um futuro profissional sólido.

Quais são os principais equívocos dos jovens que estão ingressando agora no mercado de trabalho? Eles não têm foco. Eles fecham os olhos e atiram para todos os lados. Com frequência vejo garotos se inscrevendo em 30 processos seletivos de uma única vez. Como os processos costumam ser longos, eles acabam desgastados ou desistem diante dos primeiros obstáculos. Para evitar essa situação, sugiro que antes de se inscrever o jovem faça uma pesquisa criteriosa das empresas. Ele precisa encontrar aquelas que mais têm a ver com ele, com seus valores e objetivos. Sem esse conhecimento, aumentam as chances de frustrações e diminuem as chances de sucesso.

De maneira geral, que perfil profissional as empresas buscam hoje? Elas buscam pessoas com iniciativa, que tenham determinação, capacidade de análise e argumentação. Os candidatos precisam ter sustentação pessoal, saber trabalhar em time e comunicar com clareza. Recentemente realizamos um levantamento sobre os requisitos que mais eliminam candidatos nos processos seletivos. São eles: capacidade de análise e sustentação. Percebemos que os jovens leem cada vez menos e por isso tem dificuldade de fazer uma análise mais profunda dos temas mais variados. Sem essa capacidade, eles não conseguem sustentar seus pontos de vista.

Que tipo de atividade ajuda nesse processo? Recomendo sempre participar de agremiações, organizações estudantis e empresas júnior. Tudo o que puder ser feito nesse sentido é enriquecedor porque ajuda a desenvolver capacidades valorizadas pelo mercado de trabalho. Esportes coletivos também auxiliam bastante. Por fim, indico sempre o envolvimento com trabalho voluntário. Conhecer e se sensibilizar com diferentes realidades é extremamente importante.

O que mudou nos processos seletivos nos últimos anos? Antes, ter cursado uma boa universidade era certificação de sucesso profissional. Um diploma conceituado era como um atestado de inteligência – e isso bastava. As empresas concluíam que, se o candidato tinha tido capacidade de passar em um vestibular difícil, ele era um bom profissional. Mais tarde, elas perceberam que  as coisas não funcionavam exatamente dessa forma. Uma pessoa pode ser inteligente, mas se não sabe se comunicar, trabalhar em grupo ou liderar sua inteligência não é muito efetiva no trabalho. Hoje, o que importa são as características comportamentais e os valores pessoais de cada um. Até o inglês, que costumava ser prérrequisito indispensável, hoje já não é mais: inglês se aprende, mas certas habilidades, como iniciativa, não.

As empresas já se adaptaram aos jovens da geração Y? Algumas lidam melhor com eles do que outras. O que as companhias começam a entender agora é que, para atrair os jovens, elas precisam treinar seus gestores para que eles saibam lidar com essa geração. Caso contrário, haverá um choque. Quando as duas partes se dispõem a dialogar e a aprender uma com a outra, as coisas fluem melhor.

Quem são os líderes dessa geração? São gente de carne e osso. Pessoas próximas, que servem de exemplo no dia a dia e não mais aquelas figuras históricas das quais sempre ouvimos falar que mereciam respeito. Muitas vezes, são pessoas que não fizeram nada de extraordinário, mas que exercem bem o papel de gestor. A admiração hoje está mais ligada às figuras que cumprem aquilo que falam, que lideram pelo exemplo. É uma figura palpável, não o mito como costumava ser antigamente.

O Prêmio Jovens Inspiradores pretende revelar novas lideranças para o Brasil. A senhora sente que os profissionais dessa nova geração estão mais preocupados com o país em que vivem? Sem dúvida. Em uma pesquisa recente pedimos para os jovens apontarem em que empresa gostariam de começar a carreira. Quase metade deles citou companhias nacionais. Isso reflete a realidade do Brasil hoje. Há 30 anos, quando comecei a trabalhar com programas de trainee, o maior sonho do jovem brasileiro era ter uma carreira no exterior. Eles queriam passagem de ida sem data para voltar. Hoje, eles querem experiência internacional, mas já não estão mais dispostos a abrir mão de viver em seu país. Eles vão para fora, estudam, trabalham e voltam para construir uma carreira aqui. 

POR: VEJA

JOVEM: VIVÊNCIA POLÍTICA

 O despertar da primavera

Se durante o regime militar (1964-1985) a democracia era a bandeira dos movimentos estudantis, hoje boa parte dos estudantes é apática às questões políticas, se dispersa em pequenos grêmios ou filia-se a entidades pouco representativas para conseguir meia-entrada em eventos culturais. No Paraná, a Secretaria de Educação está em campanha para reverter esse quadro. Até 2014, a Secretaria de Educação pretende que 100% das escolas públicas possuam um grêmio para representar os estudantes no conselho escolar. “Nosso desejo é que todas as escolas tenham grêmios efetivos. Porém, sua criação, historicamente, não é algo forçado. Nosso grande trabalho é de incentivo, de mostrar para os estudantes o quão importante é o grêmio”, explica Antônio Lopes Júnior, coordenador de gestão escolar da Secretaria de Educação do Paraná. Atualmente, apenas 44% das escolas públicas do estado possuem agremiações estudantis.

A ação de incentivo, segundo Lopes Júnior, começou moderada. Inicialmente foi realizado um levantamento do número de grêmios já existentes e, depois, a Secretaria aproximou-se dos técnicos responsáveis pelos grêmios que já trabalham em cada um dos 32 núcleos do estado do Paraná, para que eles entrassem em contato com as escolas. “A partir do próximo ano, lançaremos a campanha de incentivo nas escolas”, garante. A sensibilização envolverá, além dos alunos, professores e gestores escolares. “Muitas vezes os participantes do grêmio são vistos pela direção como aqueles alunos causadores de confusão”, conta Lopes Júnior. Por isso, a campanha paranaense envolverá toda a comunidade escolar.

Em outros estados, há estudantes que abraçam bandeiras como a redução do preço da passagem de ônibus, melhorias dentro de suas escolas, a luta contra a homofobia e até pelo direito de acesso a poesia, música e cinema. Para articular essa nova militância, jornais e panfletos andam lado a lado com a criação de eventos no Facebook e e-mails. E grande parte dessa nova leva não gosta de comparações simplistas com os movimentos estudantis das décadas de 60 e 70. É o caso de Beatriz Demasi, de 16 anos, aluna do Colégio Equipe, escola particular paulista marcada pela agitação cultural e política dos estudantes desde a década de 1970. “Acho ruim comparar. São outras pessoas, outras questões, outra época”, conta a adolescente, participante do Grêmio Pão de Milho no Colégio Equipe.

BOLACHA E PÃO DE MILHO

No Equipe, o grêmio é apartidário, horizontal (não há chapas, presidentes e eleições regulares) e não tem ligação com as grandes entidades estudantis tradicionais. Lá, desde 2009, o grêmio é uma livre associação de alunos que podem participar de qualquer reunião, sem hierarquia. Todas as quintas-feiras, depois do horário de aula, uma grande roda é feita com pelo menos 15 participantes que discutem problemas e organizam palestras e saraus enquanto comem bolachas e pão de milho.

O mesmo modelo existe na Poligremia, que reúne os grêmios de dez escolas públicas e particulares de São Paulo e -procura sair da esfera de influência de partidos e grandes organizações. Utilizando as redes sociais, desde o ano passado, os alunos já realizaram um festival de curtas-metragens e, articulados com o Movimento Passe Livre, organizaram pequenos e participaram de grandes atos contra o aumento da tarifa de ônibus em São Paulo (que passou de 2,70 para 3 reais em março de 2011). Apesar de não ter conseguido a redução da passagem, Helena Velic, de 15 anos, acha que valeu a pena. “Os atos tiveram presença de muita gente e foi importante para chamar a atenção”, opina a aluna do segundo ano do Ensino Médio e membro do grêmio da Escola Técnica Estadual Paulista.

A escola técnica em que Helena estuda também carrega certa tradição de movimentação social – em 2010, 100% dos alunos do terceiro ano anularam a prova do Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar (Saresp), por não concordar com a avaliação do governo do estado.

Para o estudante de Ciências Sociais da USP, Caio Dias, de 27 anos, contudo, a despolitização marca os jovens. “As pessoas ficam pouco tempo na escola, que em geral restringe a atividade dos grêmios. O estudante não sabe que pode ser de outra forma e acha isso natural”, afirma o militante do PSTU e participante da Assembleia Nacional de Estudantes Livre, que conta ter despertado para o movimento estudantil a partir da ocupação da reitoria da USP em 2007. “A gente viu que tinha mais poder de influenciar do que imaginava.”

DESPOLITIZAÇÃO X PARTIDARISMO

Especialmente fora do âmbito da universidade, o movimento estudantil chamado de “secundarista” sempre foi puxado por duas discussões fundamentais. A primeira diz respeito aos problemas do dia a dia dos alunos. A outra se pauta em temas políticos nacionais. “O aluno comum se sente de certa forma traído pelo movimento estudantil. Não sabe exatamente o que significa pois perdeu-se um pouco a trajetória”, explica o mestre em História Social pela USP Daniel Sevillano. A partidarização que permeia muitas entidades também acaba afastando uma parcela dos estudantes. “O movimento não tem um objetivo claro para as pessoas. Deixa de defender bandeiras estudantis e passa a defender problemas diversos do País”, explica.

Para o coordenador de gestão escolar da Secretaria de Educação do Paraná, a despolitização da juventude é um dos maiores obstáculos para a efetiva participação dos grêmios nas escolas. “É uma geração diferente da minha, por exemplo, que tinha de brigar pelo que queria. Politicamente, hoje os jovens não têm tanto interesse pela participação”, analisa Lopes Júnior.

Presidente do Grêmio José Montenegro de Lima do colégio Magister, na zona sul de São Paulo, Gustavo Ferreira, de 16 anos, enfrentou resistência de colegas quando tentou organizar uma chapa para a primeira eleição de representantes discentes da escola. “Muitos consideram movimento estudantil algo subversivo, de partido de esquerda. Aqui o grêmio não tem nenhuma tendência política, defende os ideais dos alunos dentro da escola”, esclarece. Entretanto, para grande parte dos entrevistados, a discussão e a vivência política ajudaram a abrir horizontes. “Um mês de militância valeu por dois anos de escola. Lá aprendi a me expressar e a discutir”, conta Pedro Gebrim, de 17 anos, aluno do Equipe e militante do Poligremia e do MPL. “Você passa a ocupar a cidade melhor e conhece outros lugares e pessoas. Não fica mais fechado no seu mundinho de colégio particular”, acrescenta Tamara Ganhito, de 16 anos. Gabriel Ferreirinho, de 15 anos, completa: “Todo adolescente tem vontade de mudar o mundo. No grêmio, você sente que está começando essa mudança”.

POR: CARTA CAPITAL

LEITURA: INVESTIMENTO EM AÇÕES FUTURAS

‘A experiência da juventude é decisiva para o escritor’

Enquanto conversa comigo, no café de uma livraria paulistana, a voz serena do escritor Milton Hatoum vai se animando e um sorriso treloso explicita a excitação de relembrar momentos que marcaram sua juventude.
Filho de imigrantes libaneses, Milton partiu de Manaus aos 15 anos, rumo à capital federal, “se perder um pouco”. Foi aprovado em um colégio-modelo da Universidade de Brasília, onde estudavam também filhos de políticos e poderosos da República. Fernando Collor era aluno do mesmo colégio, seu contemporâneo, com a devida ressalva de que pertenciam a chapas opostas. Foi lá, conta o  amazonense, durante os repressivos anos do fim da década de 60, que tudo se iluminou para ele do ponto de vista da leitura, do ensino e da formação política.
Nesta entrevista, Hatoum não esconde sua repulsa por “caretices e dogmatismo”, principalmente ao falar dos políticos brasileiros, e revive esse importante período da sua vida – da escola pública, passando pelo Ensino Médio em Brasília e pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, em São Paulo, onde se formou. O autor de quatro romances (o mais conhecido, Dois Irmãos) conta também a sua experiência como leitor e fala sobre seu sexto livro, sem pressa e data para ser publicado.
Carta na Escola: O seu interesse pela literatura foi despertado na escola?

Milton Hatoum: A experiência da infância e da juventude é decisiva para quem vai ou quer escrever. Nessa experiência está incluída a de leitor. Por um lado, tive muita sorte com meus professores e minha mãe, que me indicaram livros fundamentais. Minha mãe era obcecada por Machado de Assis, escritor mal lido durante muito tempo. Machado era interpretado como o escritor dos triângulos amorosos, e isso excitava os leitores. Claro, a obra machadiana é muito mais complexa, pois fala das contradições da nossa sociedade, da loucura, da crueldade da nossa elite e do lado obscuro do homem. Um dia minha mãe comprou de um livreiro ambulante a coleção das obras completas do Machado, uma edição de 1958, que guardo até hoje. Por sorte, comecei a ler os contos. Tivesse lido os romances primeiro, talvez odiasse Machado. É esse o erro que se faz na escola. Os grandes romances machadianos são muito complexos, têm muitas nuances e uma dimensão simbólica e histórica que está nas entrelinhas. A maioria dos jovens de 14 anos não vai enfrentar essa dificuldade. Se me pedissem para opinar na política do MEC, eu diria: distribuam um livro com uma seleção dos contos de Machado na biblioteca de todas as escolas.

CE: Qual conto machadiano leu primeiro?
MH: Foi Parasita Azul, de Histórias da Meia-Noite. Fui atraído porque achava que haveria algo de mistério, de terror. E não era nada disso. Era um conto machadiano, já dos bons. Acho que Parasita Azul é um marco para os grandes contos do Machado na década de 1880 e 1890. Fiquei fascinado. Fui lendo outros contos e pensava “Como ele escreve bem, que clareza!” Ao mesmo tempo, na escola, os professores trabalhavam com Graciliano Ramos, Jorge Amado e Erico Verissimo. Outro professor trabalhou com Euclides (da Cunha), o que me irritou profundamente.

CE: Por quê?
MH: Explodiram uma bomba caseira no colégio, por travessura, e o castigo coletivo foi a leitura e o fichamento de Os Sertões, cuja edição, de 1967, também guardei. Depois de ter lido os contos do Machado e Vidas Secas e Infância, do Graciliano, fiquei um pouco arrepiado com a linguagem do Euclides, muito retorcida, com um vocabulário precioso. Foi um choque. Não quis saber do Euclides naquele momento.

CE: Quando foi que o Euclides “te pegou”?
MH: Na escola, em 1967, só li um trecho de A Luta, a meu ver, a melhor parte d’Os Sertões. Li o livro inteiro quando já morava em São Paulo, depois de ter passado dois anos em Brasília. Li também os ensaios amazônicos de À Margem da História, onde descobri um texto maravilhoso, Judas Asvero, sobre os seringueiros nordestinos no Alto-Purus. É um texto lindo, obra canônica na literatura brasileira. Eu queria fazer uma tese de doutorado sobre esse relato de três páginas

CE: O castigo virou uma obsessão?
MH: E também um fascínio, pois comecei a entender mais o Euclides, apesar dos seus erros políticos e da sua ingenuidade. Ele era um positivista, acreditava no progresso e na “civilização”, em oposição à “barbárie”. Essa oposição não existe. O “progresso” e a ciência só fazem sentido se servirem à sociedade como um todo, e não apenas a uma elite. Enfim, ele tinha assimilado todos os valores da filosofia positivista do século XIX e, ao lado do Machado, seu contemporâneo, ele é muito ingênuo. Machado não acreditava em nada disso.

CE: A produção escrita veio junto com a sua imersão na leitura literária?
MH: Meu primeiro artigo, meio poético, escrevi nessa época, para o jornal do grêmio estudantil do Colégio Pedro II, em Manaus. Era um artigo sobre educação pública, clamando pela qualidade de ensino, por uma boa biblioteca, salários justos para os professores, tudo que se diz até hoje. O nome do jornal que, aliás, está no Cinzas do Norte, era Elemento 106. Na época, havia 105 elementos na natureza… Acho que eu estava numa caverna um pouco sombria e, em Brasília, tudo se iluminou do ponto de vista da leitura e do ensino.

CE: Com quantos anos foi para Brasília?
MH: Fui fazer o antigo colegial da época, com 15 anos. Era um colégio de aplicação chamado Ciem (Centro Integrado do Ensino Médio), que ficava na entrada do campus e pertencia à Universidade de Brasília. Uma escola-modelo para 350 alunos e mais de 60 professores, um colégio para qual se deveria prestar um exame para entrar. Mas só os caipiras prestavam. Os filhos de deputados e ministros, não.

CE: Sua família continuou em Manaus?
MH: Vim sozinho. Queria me aventurar, me perder um pouco. Brasília foi uma experiência e tanto. Política, inclusive, porque caí no olho do furacão, em 1968.

CE: Foi em Brasília que você deixou de ser um progressista?
MH: Nunca deixei de ser progressista. Desconfio dos valores da civilização, esses valores do Ocidente. Sou um progressista de esquerda, mas detesto qualquer dogmatismo e todo tipo de caretice. Muitos traíram, se traíram. Não me arrependo de nada, de nenhuma passeata ou pichação, de nenhuma pedra jogada contra a polícia, que torturava e matava. A ditadura interrompeu brutalmente o processo democrático, esta é a verdade. O ano de 68 foi o mais violento em Brasília. Foi um inferno, houve invasões durante todo o ano na universidade, prisões, expulsões, perseguições. Brasília teve o movimento estudantil mais radical do Brasil e as pessoas desconhecem isso. Eu vivi um pouco isso e vivi também o ambiente do colégio, que era incrível. Era um laboratório criado por Darcy Ribeiro e Anísio Teixeira. Li muita coisa de literatura brasileira, francesa, italiana…

CE: Já pensava em ser escritor?
MH: Não. Eu escrevia poesia e tinha um diário. Naquela época, não podíamos falar, então escrevíamos. Toda a nossa energia ia para a escrita, para o sexo e outras coisas. Brasília foi isso também, muita droga. Foi um momento de liberação de tudo. Eu intuí que aquilo não ia dar certo e vim para São Paulo em 1970. Em 71, a ditadura fechou o meu colégio em Brasília. O Collor estava lá, eu era do primeiro ano e ele, do terceiro.

CE: Como era o ex-presidente na escola?
MH: Diziam que ele desfilava para as festas da primeira dama, Iolanda (mulher do presidente Arthur da Costa e Silva – 67 a 69), para arrecadar fundos. Diziam também que ele era lindo. Eu e meus amigos o considerávamos um mauricinho, um bofe cafona, e um baita de um reacionário. Já naquela época ele era pedante e comandava uma chapa de direita. Lamentável que a esquerda, hoje, esteja aliada com o Collor e outras figuras autoritárias.

CE: Há um movimento de criação de cursos de formação de escritores no Brasil. É possível ensinar a escrever literatura?
MH: Acho que não. É uma técnica que veio dos Estados Unidos, onde muitos escritores vivem disso. Mas não acredito que você forme um escritor. É preciso ter talento para escrever. O que eu acredito é que a leitura crítica é fundamental para quem quer ser escritor. Não há lugar para o leitor ingênuo entre os que querem escrever.

CE: Qual foi sua formação crítica de leitor?
MH: Eu fugia da FAU para assistir aos cursos de teoria literária do Davi Arrigucci, da Leyla Perrone-Moisés e outros grandes mestres. Esses cursos me ajudaram a pensar na literatura. Não que isso seja obrigatório. Guimarães Rosa nunca assistiu a uma aula, mas era um gênio, sabia tudo sobre romance e conto. Era um grande leitor. A FAU também foi uma escola formadora e me ajudou a refletir sobre as cidades brasileiras e a habitação popular, cujos projetos ainda são vergonhosos no Brasil, como se o povo não merecesse moradia digna. A FAU era bem maluca, e diferente do que é hoje. Tudo ficou mais convencional.

CE: O seu olhar de arquiteto está muito presente na maneira como você explora a cidade. Isso é intencional?
MH: Acho que sim. Foi introjetado na minha vivência com a arquitetura, nas minhas leituras sobre arquitetura e na minha vivência na cidade. O espaço é importante num romance, mas não como descrição, e sim como um elemento constitutivo da trama e da vida dos personagens.

CE: Manaus é predominante entre as cidades dos seus romances. Que tipo de sentimento sua cidade natal evoca?
MH: Hoje é uma cidade quase irreconhecível para mim. Quando se trata da memória do espaço, as cidades da América Latina têm uma vida curta, vão se sobrepondo umas às outras, se destruindo e se reconstruindo a cada uma ou duas décadas. Isso, por um lado, aponta para um dinamismo econômico e, por outro, para uma destruição da memória urbana. Manaus poderia ser uma cidade maravilhosa, mas está totalmente desfigurada, feia, e sem árvores. Uma cidade equatorial sem sombras.

CE: Você já afirmou não conseguir escrever sobre o passado recente. Como se dá esse processo de criação e memória?
MH: O passado recente está muito próximo do circunstancial. Uma distância longa do tempo é mais propícia à literatura porque você não lembra com precisão. O que há de nebuloso no passado move a nossa memória, que é irmã siamesa da imaginação.

CE: Sobre o que falará o romance que você está escrevendo?
MH: Ele evoca o período em que vivi na Europa. É um romance ambientado em Paris, com histórias sobre exílio, expatriação e tradução. É narrado por uma tradutora franco-brasileira. Tem também um pouco da minha experiência de Brasília e São Paulo. Fico particularmente emocionado quando escrevo. Estou falando com você, e, ao mesmo tempo, meu coração e meu pensamento disparam, mergulham nas lembranças perdidas, que reaparecem por meio da linguagem. No romance também ocorre o alumbramento, esse belo nome que Manuel Bandeira dava ao súbito surgimento da imagem poética.

CE: Tem previsão para o lançamento?
MH: Pensei que terminaria em fevereiro, mas meu editor fez várias observações relevantes, decidi retomar o trabalho e reescrever várias partes. Você pode matar um livro se for picado pela pressa e pela vaidade. Faz tempo joguei a vaidade para o ar. Eu sei que tem a Feira de Frankfurt e o Brasil vai ser o país homenageado em 2013. Seria maravilhoso lançar este ano. Mas não adianta forçar. O romance é uma arte que exige obstinação e uma entrega total, que é a paixão pela linguagem. Além disso, acho que já escrevi muito. Cinco livros! Tem gente que publica mais de 30. É inimaginável para mim.



FONTE: CARTA CAPITAL/ CARTA ESCOLA

OBS.: Esse é um bom exemplo de que ler afeta, positivamente, a nossa vida para o resto dela...

quinta-feira, 5 de abril de 2012

INSPIRAÇÃO DOS POETAS ULTRARROMÂNTICOS


Eutanásia
Lord Byron

Tradução de João Cardoso de Menezes e Souza 
(Barão de Paranapiacaba).

Quando o tempo me houver trazido esse momento, 
Do dormir, sem sonhar que, extremo, nos invade, 
Em meu leito de morte ondule, Esquecimento, 
De teu sutil adejo a langue suavidade! 

Não quero ver ninguém ao pé de mim carpindo, 
Herdeiros, espreitando o meu supremo anseio; 
Mulher, que, por decoro, a coma desparzindo, 
Sinta ou finja que a dor lhe estará rasgando o seio. 

Desejo ir em silêncio ao fúnebre jazigo, 
Sem luto oficial, sem préstito faustoso. 
Receio a placidez quebrar de um peito amigo, 
Ou furtar-lhe, sequer, um breve espaço ao gozo. 

Só amor logrará (se nobre à dor se esquive, 
E consiga, no lance, inúteis ais calar), 
No que se vai finar, na que lhe sobrevive, 
Pela vez derradeira, o seu poder mostrar. 

Feliz se essas feições, gentis, sempre serenas, 
Contemplasse, até vir a triste despedida! 
Esquecendo, talvez, as infligidas penas, 
Pudera a própria Dor sorrir-te, alma querida. 

Ah! Se o alento vital se nos afrouxa, inerte, 
A mulher para nós contrai o coração! 
Iludem-nos na vida as lágrimas, que verte, 
E agravam ao que expira a mágoa e enervação. 

Praz-me que a sós me fira o golpe inevitável, 
Sem que me siga adeus, ou ai desolador. 
Muita vida há ceifado a morte inexorável 
Com fugaz sofrimento, ou sem nenhuma dor. 

Morrer! Alhures ir... Aonde? Ao paradeiro 
Para o qual tudo foi e onde tudo irá ter! 
Ser, outra vez, o nada; o que já fui, primeiro 
Que abrolhasse à existência e ao vivo padecer!... 

Contadas do viver as horas de ventura 
E as que, isentas da dor, do mundo hajam corrido, 
Em qualquer condição, a humana criatura 
Dirá: "Melhor me fora o nunca haver nascido!"