quarta-feira, 25 de maio de 2011

Polêmica sobre o Ensino de Língua Portuguesa - II


POLÊMICA OU IGNORÂNCIA? DISCUSSÃO SOBRE LIVRO DIDÁTICO SÓ REVELA IGNORÂNCIA DA GRANDE IMPRENSA
Marcos Bagno (UNB)

Para surpresa de ninguém, a coisa se repetiu. A grande imprensa brasileira mais uma vez exibiu sua ampla e larga ignorância a respeito do que se faz hoje no mundo acadêmico e no universo da educação no campo do ensino de língua.

Jornalistas desinformados abrem um livro didático, leem metade de meia página e saem falando coisas que depõem sempre muito mais contra eles mesmos do que eles mesmos pensam (se é que pensam nisso, prepotentemente convencidos que são, quase todos, de que detêm o absoluto poder da informação).

Polêmica? Por que polêmica, meus senhores e minhas senhoras? Já faz mais de quinze anos que os livros didáticos de língua portuguesa disponíveis no mercado e avaliados e aprovados pelo Ministério da Educação abordam o tema da variação linguística e do seu tratamento em sala de aula. Não é coisa de petista, fiquem tranquilas senhoras comentaristas políticas da televisão brasileira e seus colegas explanadores do óbvio. Já no governo FHC, sob a gestão do ministro Paulo Renato, os livros didáticos de português avaliados pelo MEC começavam a abordar os fenômenos da variação linguística, o caráter inevitavelmente heterogêneo de qualquer língua viva falada no mundo, a mudança irreprimível que transformou, tem transformado, transforma e transformará qualquer idioma usado por uma comunidade humana. Somente com uma abordagem assim as alunas e os alunos provenientes das chamadas “classes populares” poderão se reconhecer no material didático e não se sentir alvo de zombaria e preconceito. E, é claro, com a chegada ao magistério de docentes provenientes cada vez mais dessas mesmas “classes populares”, esses mesmos profissionais entenderão que seu modo de falar, e o de seus aprendizes, não é feio, nem errado, nem tosco, é apenas uma língua diferente daquela — devidamente fossilizada e conservada em formol — que a tradição normativa tenta preservar a ferro e fogo, principalmente nos últimos tempos, com a chegada aos novos meios de comunicação de pseudoespecialistas que, amparados em tecnologias inovadoras, tentam vender um peixe gramatiqueiro para lá de podre. Enquanto não se reconhecer a especificidade do português brasileiro dentro do conjunto de línguas derivadas do português quinhentista transplantados para as colônias, enquanto não se reconhecer que o português brasileiro é uma língua em si, com gramática própria, diferente da do português europeu, teremos de conviver com essas situações no mínimo patéticas. A principal característica dos discursos marcadamente ideologizados (sejam eles da direita ou da esquerda) é a impossibilidade de ver as coisas em perspectiva contínua, em redes complexas de elementos que se cruzam e entrecruzam, em ciclos constantes. Nesses discursos só existe o preto e o branco, o masculino e o feminino, o mocinho e o bandido, o certo e o errado e por aí vai.

Darwin nunca disse em nenhum lugar de seus escritos que “o homem vem do macaco”. Ele disse, sim, que humanos e demais primatas deviam ter se originado de um ancestral comum. Mas essa visão mais sofisticada não interessava ao fundamentalismo religioso que precisava de um lema distorcido como “o homem vem do macaco” para empreender sua campanha obscurantista, que permanece em voga até hoje (inclusive no discurso da candidata azul disfarçada de verde à presidência da República no ano passado). Da mesma forma, nenhum linguista sério, brasileiro ou estrangeiro, jamais disse ou escreveu que os estudantes usuários de variedades linguísticas mais distantes das normas urbanas de prestígio deveriam permanecer ali, fechados em sua comunidade, em sua cultura e em sua língua. O que esses profissionais vêm tentando fazer as pessoas entenderem é que defender uma coisa não significa automaticamente combater a outra. Defender o respeito à variedade linguística dos estudantes não significa que não cabe à escola introduzi-los ao mundo da cultura letrada e aos discursos que ela aciona. Cabe à escola ensinar aos alunos o que eles não sabem! Parece óbvio, mas é preciso repetir isso a todo momento.

 Não é preciso ensinar nenhum brasileiro a dizer “isso é para mim tomar?”, porque essa regra gramatical (sim, caros leigos, é uma regra gramatical) já faz parte da língua materna de 99% dos nossos compatriotas. O que é preciso ensinar é a forma “isso é para eu tomar?”, porque ela não faz parte da gramática da maioria dos falantes de português brasileiro, mas por ainda servir de arame farpado entre os que falam “certo” e os que falam “errado”, é dever da escola apresentar essa outra regra aos alunos, de modo que eles — se julgarem pertinente, adequado e necessário — possam vir a usá-la TAMBÉM. O problema da ideologia purista é esse também. Seus defensores não conseguem admitir que tanto faz dizer assisti o filme quanto assiti ao filme, que a palavra óculos pode ser usada tanto no singular (o óculos, como dizem 101% dos brasileiros) quanto no plural (os óculos, como dizem dois ou três gatos pingados).

O mais divertido (para mim, pelo menos, talvez por um pouco de masoquismo) é ver os mesmos defensores da suposta “língua certa”, no exato momento em que a defendem, empregar regras linguísticas que a tradição normativa que eles acham que defendem rejeitaria imediatamente. Pois, ontem, vendo o Jornal das Dez, da GloboNews, ouvi da boca do sr. Carlos Monforte essa deliciosa pergunta: “Como é que fica então as concordâncias?”. Ora, sr. Monforte, eu lhe devolvo a pergunta: “E as concordâncias, como é que ficam então?

Por  Delinha e Eva:

Esse é o Marcos Bagno" que a Veja, na voz de Renata Betti e Roberta Abreu Lima, apresentou aos leitores dela:

 "Um dos expoentes dos talibãs da linguística no Brasil é um certo Marcos Bagno, professor da Universidade de Brasília  (UnB), hoje o madraçal da ortodoxia dessa estupidez. Bagno criou o "preconceito linguístico" em um livro de mesmo nome lançado na década de 1990." (Veja do dia 25 de maio de 2011)

Agora eu apresento-lhes  Marcos Bagno:


Marcos Araújo Bagno, tem graduação em Letras (Bacharelado em Língua Portuguesa) pela Universidade Federal de Pernambuco (1991), mestrado em Linguística pela Universidade Federal de Pernambuco (1995) e doutorado em Filologia e Língua Portuguesa pela Universidade de São Paulo (2000). É professor-adjunto do departamento de Línguas Estrangeiras e Tradução da Universidade de Brasília (UnB), atuando na área de Tradução Francês/Português. Tem experiência na área de Linguística, com ênfase em Tradução, Sociolinguística e ensino, atuando principalmente nos seguintes temas: prática de tradução francês/português, ensino de português, sociologia da linguagem, antropologia linguística, literatura infantil, gramática tradicional e português brasileiro.

Livros publicados/organizados ou edições:
  1. BAGNO . Não é errado falar assim! Em defesa do português brasileiro. São Paulo: Parábola Editorial, 2009. 
  2. BAGNO . Gramática: passado, presente e futuro. Curitiba: Aymará, 2009. v. 1. 176 p. 
  3. BAGNO . Nada na língua é por acaso: por uma pedagogia da variação lingüística. 1. ed. São Paulo: Parábola Editorial, 2007. v. 1. 240 p. 
  4. BAGNO ; Rangel, Egon O. . Dicionários em sala de aula. Brasília: Ministério da Educação, 2006. v. 1. 155 p. 
  5. BAGNO . A lenda do Muri-Keko. São Paulo: Edições SM, 2005. v. 1. 64 p. 
  6. BAGNO . Uma vida de contos de fadas: a história de Hans Christian Andersen. São Paulo: Ática, 2005. v. 1. 48 p. 
  7. BAGNO . Murucututu, a coruja grande da noite. São Paulo: Ática, 2005. v. 1. 40 p. 
  8. BAGNO . A norma oculta: língua e poder na sociedade brasileira. São Paulo: Parábola Editorial, 2003. v. 1. 200 p. 
  9. BAGNO (Org.) . Lingüística da norma. São Paulo: Edições Loyola, 2002. v. 1. 356 p. 
  10. BAGNO (Org.) . Norma lingüística. São Paulo: Edições Loyola, 2001. v. 1. 300 p. 
  11. BAGNO . Português ou brasileiro? Um convite à pesquisa. São Paulo: Parábola Editorial, 2001. 
  12. BAGNO . O processo da independência do Brasil. São Paulo: Ática, 2000. v. 1. 55 p. 
  13. BAGNO . Dramática da língua portuguesa. São Paulo: Edições Loyola, 2000. 327 p. 
  14. BAGNO . Preconceito lingüístico: o que é, como se faz. São Paulo: Edições Loyola, 1999. v. 1. 
  15. BAGNO . Machado de Assis para principiantes. São Paulo: Editora Ática, 1998. v. 1. 182 p. 
  16. BAGNO . Pesquisa na escola: o que é, como se faz. São Paulo: Edições Loyola, 1998. v. 1. 102 p. 
  17. BAGNO . Unhas de ferro. Belo Horizonte: Editora Lê, 1997. v. 1. 127 p. 
  18. BAGNO . A Língua de Eulália. 6. ed. São Paulo: Editora Contexto, 1997. v. 1. 215 p. 
  19. BAGNO . A vingança da cobra. São Paulo: Editora Ática, 1995. v. 1. 104 p. 
  20. BAGNO . Bafafá em Mangabela. Belo Horizonte: Formato Editorial, 1995. v. 1. 35 p. 
  21. BAGNO . Miguel, o cravo e a rosa. Belo Horizonte: Editora Lê, 1995. v. 1. 
  22. BAGNO . Rua da Soledade. Belo Horizonte: Editora Lê, 1995. v. 1. 151 p. 
  23. BAGNO . A barca de Zoé. Belo Horizonte: Formato Editorial, 1994. v. 1. 45 p. 
  24. BAGNO ; REZENDE, S. M. . Os nomes do amor. São Paulo: Editora Moderna, 1992. v. 1. 100 p. 
  25. BAGNO . Frevo, amor & graviola. São Paulo: Atual Editora, 1991. v. 1. 88 p. 
  26. BAGNO . Um céu azul para Clementina. Belo Horizonte: Editora Lê, 1991. v. 1. 15 p. 
  27. BAGNO . O papel roxo da maçã. Belo Horizonte: Editora Lê, 1988. v. 1. 46 p. 
  28. BAGNO . A invenção das horas. São Paulo: Editora Scipione, 1988. v. 1. 122 p.


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