domingo, 26 de setembro de 2010

ESPECTADORES OU ATORES DA PAZ SOCIAL?

Quando percorremos as ruas das pequenas e grandes cidades, notamos muros altos, cercas elétricas, por todos os lados; cachorros ferozes; desaparecimento das pessoas das calçadas de suas casas, no final de tarde; ausência de bate-papos entre vizinhos para um tereré que seja; entre tantas outras mudanças na nossa vida social. E perguntamos: O que afastou as pessoas das ruas e as aprisionou em seus domicílios? A resposta é espontânea: o medo. Medo de quê(m)? Medo do próprio homem, cada vez, mais violento em seu habitat. E surge outra interrogação: Por que o homem despreza cada vez mais a paz? Seria a falta de amor; a ganância, a luta pelo poder; a pobreza, a ausência de escolaridade? Ou as más condições de sobrevivência em que se encontra? Essas podem ser algumas das causas principais do alto índice de violência em nossos dias.

O texto bíblico “Ama ao teu próximo como a ti mesmo” defende a ideia de que o homem, que respeita a si, torna-se capaz de amar o outro. Logo, a falta de amor ao próximo, pode ser consequência direta da desconsideração do indivíduo por si mesmo. Nota-se que um ser em desafeto pode vir a se tornar incapaz de enxergar as virtudes do próximo, porque se põe diante do outro em pé de desconfiança, julga equivocadamente, deixa se tomar por um espírito de vingança sem aparente razão. Observa-se que a ausência de amor próprio pode romper as barreiras do respeito, esfriar as relações, invadir a vida alheia por, simplesmente, ignorar o mal. Se um indivíduo sem amor próprio decidir atentar contra a vida do outro, não haverá sentimento algum, nada que poderá impedi-lo de fazer isso. A perda de valores associados a uma vida social saudável poderá, ainda, tornar o indivíduo sem escrúpulos, portanto doente. Disparar um tiro em troca de parca recompensa requererá um simples apertar do gatilho. Medo de prisão, de perseguição policial, nada disso inibirá nele a falta de respeito pela vida. Por isso, poderá matar por objetos de pouco valor. A vida, dessa perspectiva, passa a ser leiloada por preço muito baixo. Não há medo de perdê-la. Do tamanho do valor acalentado por ela, é a extensão do respeito pelo outro. Portanto, a falta de amor próprio pode sim ser uma das causas da violência desmedida na modernidade.

A ganância e a luta pelo poder são, também, desencadeadores da ausência de paz tanto entre pessoas, quanto entre nações. Um exemplo disso se dá no universo do tráfico de drogas. A busca pelo domínio na comercialização desse produto leva o indivíduo a invadir fronteiras alheias, desrespeitando a vida de outros iguais. O excesso de amor a si mesmo, o “superego”, oposto da “own lack of Love” (falta de amor próprio), quebra a barreira do respeito em relação ao outro. Esse mal é observável nas relações econômicas internacionais, como por exemplo, na busca incansável dos EUA, no Afeganistão, atrás de supostos terroristas. O desejo de dominar o outro para proveito próprio, trocou por bagatela, durante anos a vida de crianças, jovens, homens, mulheres e idosos, sem qualquer restrição como noticiaram relatórios em 2010. Esses conflitos internacionais mostram, nesse e em outros casos, a cara monstruosa da ganância. Também dentro dos limites territoriais, no interior das nações, no seio das famílias, com membros que a compõem, como por exemplo, marido contra mulher, filhos contra pais e vice-versa a violência choca e gera desesperança de dias melhores. Diante do desejo de domínio de um sobre o outro, se dotados fossem os animais de razão, ficariam tomados de terror. Enfim, essa obsessão pelo poder costura cruelmente barbáries de continente a continente, sem limite de idade, sem barreira política.

E, por último, a desigualdade social, responsável pelo agravamento das relações humanas, traz a violência para o interior das sociedades e adia a paz entre os indivíduos. Incompatíveis na qualidade de vida, no exercício de direitos, a grande maioria segue contemplando de longe o sucesso de poucos. Desprovida de condições de sobrevivência, marcha armada ou sofredora uma multidão desafortunada para uma armadilha que tanto mata quanto lhe rouba os sonhos. Longe das escolas que poderiam auxiliá-la a encontrar um lugar digno na sociedade; uma considerada fatia da população dorme sem teto, sem alimento na mesa, sem roupa no armário sem sapatos nos pés. Destituída de poder de compra, é obrigada a romper a contemplação e gritar por socorro! Nesse devaneio desumano, muitos encontram na cadeia a única chance de um abrigo, alimento e sono tranquilo. Caso tenham que deixar o teto conseguido à custa do crime, único preço capaz de pagarem; farão tudo para lá retornar. Isso é fato. Donas de quase nada, seguem, em grupo, as quadrilhas; agem dentro e fora dos presídios. Matam e morrem. Violência sem tamanho, sem data para acabar, sem governo interessado em reduzir o seu impacto. Nesse grupo, encontra-se o Brasil, um dos países na América de tantas riquezas; todavia, também, de tantas injustiças sociais. Vítimas ou algozes, a desigualdade assim classifica uma multidão de brasileiros.

E a solução para esses fatores que contribuem para a ausência de paz em nossa sociedade? Não seria o investimento na promoção da dignidade humana o segredo para resgatar o amor próprio; inibir a excessiva ganância e igualar os homens entre si? Se houvesse esperança em dias melhores, o direito de sonhar com uma vida decente, igualdade de direitos: educação de qualidade para todos; moradia, conforto; proteção à saúde do indivíduo e sua família; garantia de um emprego digno – talvez pudéssemos acreditar em um mundo de paz. Sendo assim, fica evidente que toda a problemática parece residir na desigualdade social e apenas a inversão desse fator, poderia, talvez, garantir um mundo melhor para todos.

Enfim, se por falta de amor próprio, se por excesso dele; ou ainda por serem vítimas dos efeitos da desigualdade social, homens vivem reféns da violência que insiste em “não esconder a cara”; está na hora de mudarmos de estratégia. De espectadores, precisamos passar a atores da paz. Esperar não basta, como aconselha Albert Einstein: “O mundo é um lugar perigoso de se viver, não por causa daqueles que fazem o mal, mas sim por causa daqueles que observam e deixam o mal acontecer.”

Autora: Delinha Almeida (Exemplo de texto argumentativo)


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