O despertar da primavera
Se durante o regime militar
(1964-1985) a democracia era a bandeira dos movimentos estudantis, hoje boa
parte dos estudantes é apática às questões políticas, se dispersa em pequenos
grêmios ou filia-se a entidades pouco representativas para conseguir
meia-entrada em eventos culturais. No Paraná, a Secretaria de Educação está em
campanha para reverter esse quadro. Até 2014, a Secretaria de Educação pretende
que 100% das escolas públicas possuam um grêmio para representar os estudantes
no conselho escolar. “Nosso desejo é que todas as escolas tenham grêmios
efetivos. Porém, sua criação, historicamente, não é algo forçado. Nosso grande
trabalho é de incentivo, de mostrar para os estudantes o quão importante é o
grêmio”, explica Antônio Lopes Júnior, coordenador de gestão escolar da
Secretaria de Educação do Paraná. Atualmente, apenas 44% das escolas públicas
do estado possuem agremiações estudantis.
A ação de incentivo, segundo
Lopes Júnior, começou moderada. Inicialmente foi realizado um levantamento do
número de grêmios já existentes e, depois, a Secretaria aproximou-se dos
técnicos responsáveis pelos grêmios que já trabalham em cada um dos 32 núcleos
do estado do Paraná, para que eles entrassem em contato com as escolas. “A
partir do próximo ano, lançaremos a campanha de incentivo nas escolas”,
garante. A sensibilização envolverá, além dos alunos, professores e gestores
escolares. “Muitas vezes os participantes do grêmio são vistos pela direção
como aqueles alunos causadores de confusão”, conta Lopes Júnior. Por isso, a
campanha paranaense envolverá toda a comunidade escolar.
Em outros estados, há estudantes
que abraçam bandeiras como a redução do preço da passagem de ônibus, melhorias
dentro de suas escolas, a luta contra a homofobia e até pelo direito de acesso
a poesia, música e cinema. Para articular essa nova militância, jornais e
panfletos andam lado a lado com a criação de eventos no Facebook e e-mails. E
grande parte dessa nova leva não gosta de comparações simplistas com os
movimentos estudantis das décadas de 60 e 70. É o caso de Beatriz Demasi, de 16
anos, aluna do Colégio Equipe, escola particular paulista marcada pela agitação
cultural e política dos estudantes desde a década de 1970. “Acho ruim comparar.
São outras pessoas, outras questões, outra época”, conta a adolescente,
participante do Grêmio Pão de Milho no Colégio Equipe.
BOLACHA E PÃO DE MILHO
No Equipe, o grêmio é apartidário,
horizontal (não há chapas, presidentes e eleições regulares) e não tem ligação
com as grandes entidades estudantis tradicionais. Lá, desde 2009, o grêmio é
uma livre associação de alunos que podem participar de qualquer reunião, sem
hierarquia. Todas as quintas-feiras, depois do horário de aula, uma grande roda
é feita com pelo menos 15 participantes que discutem problemas e organizam
palestras e saraus enquanto comem bolachas e pão de milho.
O mesmo modelo existe na
Poligremia, que reúne os grêmios de dez escolas públicas e particulares de São
Paulo e -procura sair da esfera de influência de partidos e grandes
organizações. Utilizando as redes sociais, desde o ano passado, os alunos já
realizaram um festival de curtas-metragens e, articulados com o Movimento Passe
Livre, organizaram pequenos e participaram de grandes atos contra o aumento da
tarifa de ônibus em São Paulo (que passou de 2,70 para 3 reais em março de
2011). Apesar de não ter conseguido a redução da passagem, Helena Velic, de 15
anos, acha que valeu a pena. “Os atos tiveram presença de muita gente e foi
importante para chamar a atenção”, opina a aluna do segundo ano do Ensino Médio
e membro do grêmio da Escola Técnica Estadual Paulista.
A escola técnica em que Helena
estuda também carrega certa tradição de movimentação social – em 2010, 100% dos
alunos do terceiro ano anularam a prova do Sistema de Avaliação de Rendimento
Escolar (Saresp), por não concordar com a avaliação do governo do estado.
Para o estudante de Ciências
Sociais da USP, Caio Dias, de 27 anos, contudo, a despolitização marca os
jovens. “As pessoas ficam pouco tempo na escola, que em geral restringe a
atividade dos grêmios. O estudante não sabe que pode ser de outra forma e acha
isso natural”, afirma o militante do PSTU e participante da Assembleia Nacional
de Estudantes Livre, que conta ter despertado para o movimento estudantil a
partir da ocupação da reitoria da USP em 2007. “A gente viu que tinha mais
poder de influenciar do que imaginava.”
DESPOLITIZAÇÃO X PARTIDARISMO
Especialmente
fora do âmbito da universidade, o movimento estudantil chamado de
“secundarista” sempre foi puxado por duas discussões fundamentais. A primeira
diz respeito aos problemas do dia a dia dos alunos. A outra se pauta em temas
políticos nacionais. “O aluno comum se sente de certa forma traído pelo
movimento estudantil. Não sabe exatamente o que significa pois perdeu-se um
pouco a trajetória”, explica o mestre em História Social pela USP Daniel
Sevillano. A partidarização que permeia muitas entidades também acaba afastando
uma parcela dos estudantes. “O movimento não tem um objetivo claro para as
pessoas. Deixa de defender bandeiras estudantis e passa a defender problemas
diversos do País”, explica.
Para o
coordenador de gestão escolar da Secretaria de Educação do Paraná, a
despolitização da juventude é um dos maiores obstáculos para a efetiva
participação dos grêmios nas escolas. “É uma geração diferente da minha, por
exemplo, que tinha de brigar pelo que queria. Politicamente, hoje os jovens não
têm tanto interesse pela participação”, analisa Lopes Júnior.
Presidente
do Grêmio José Montenegro de Lima do colégio Magister, na zona sul de São
Paulo, Gustavo Ferreira, de 16 anos, enfrentou resistência de colegas quando
tentou organizar uma chapa para a primeira eleição de representantes discentes
da escola. “Muitos consideram movimento estudantil algo subversivo, de partido
de esquerda. Aqui o grêmio não tem nenhuma tendência política, defende os
ideais dos alunos dentro da escola”, esclarece. Entretanto, para grande parte
dos entrevistados, a discussão e a vivência política ajudaram a abrir
horizontes. “Um mês de militância valeu por dois anos de escola. Lá aprendi a
me expressar e a discutir”, conta Pedro Gebrim, de 17 anos, aluno do Equipe e
militante do Poligremia e do MPL. “Você passa a ocupar a cidade melhor e
conhece outros lugares e pessoas. Não fica mais fechado no seu mundinho de
colégio particular”, acrescenta Tamara Ganhito, de 16 anos. Gabriel
Ferreirinho, de 15 anos, completa: “Todo adolescente tem vontade de mudar o
mundo. No grêmio, você sente que está começando essa mudança”.
POR: CARTA CAPITAL
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