'O jovem guia sua carreira por um propósito e por
prazer'
A
presidente da agência de recrutamento Cia. de Talentos fala de dúvidas que
atormentam novos profissionais no mercado de trabalho. E como fugir delas
Nathalia Goulart
Há
quase três décadas, a consultora de recursos humanos Sofia Esteves trabalha com
jovens em início de carreira. Sua missão é ajudá-los a identificar os melhores
caminhos para ingressar no mercado de trabalho. Sua experiência a levou à
especialização na chamada geração Y, jovens nascidos entre as décadas de 1980 e
1990, inquietos e capazes de desenvolver várias tarefas simultaneamente, fruto
da era digital em que cresceram e do consequente acesso quase irrestrito à
informação. "Estamos falando aqui de um jovem que é guiado por
propósito e prazer", diz Sofia. Profissionalmente, porém, eles são
indecisos, têm dificuldade em encontrar um curso e em fazer parte de empresas
que ainda não se adaptaram à nova realidade. "Existem hoje mais de 22.000
cursos à disposição e o jovem sente dificuldade em escolher aquele com o qual
se identifica de verdade. O que acontece na prática é que essa é uma
geração que aprende pela tentativa e erro." O remédio, diz Sofia, é o
autoconhecimento. "Tudo o que o jovem puder fazer para se conhecer
melhor é válido, encurta caminhos." Sofia colocará todo o seu know-how
agora à disposição de jovens talentos. Ela é parceira do Prêmio Jovens Inspiradores,
iniciativa de VEJA.com e da Fundação Estudar que vai selecionar estudantes ou
recém-formados com espírito de liderança e compromisso permanente com a busca
da excelência: os vencedores ganharão iPads, bolsas de estudo no exterior e um
ano de orientação profissional com nomes de destaque do meio empresarial e
político (mentoring). As inscrições no Prêmio se encerram neste domingo. Confira a entrevista que Sofia concedeu ao site de
VEJA.
Quais as características da geração Y? Estamos
falando aqui de um jovem que é guiado por propósito e prazer. Ele precisa se
identificar com algo para poder se dedicar verdadeiramente a ele.
Profissionalmente, isso gera um impasse, porque ele está exposto a um volume
muito grande de oportunidades. Existem hoje mais de 22.000 cursos à disposição
e o jovem sente dificuldade em escolher aquele com o qual se identifica de
verdade. O que acontece na prática é que essa é uma geração que aprende pela
tentativa e erro: o jovem ingressa em um curso, não gosta e desiste. E assim
ele segue até encontrar um que lhe dê prazer. Por outro lado, a geração Y é
mais colaborativa e já sabe quais são seus valores e ética. E já está
cientificamente comprovado que são mais inteligentes do que as gerações
anteriores.
Esses jovens são mais imaturos? Sim. Os
pais da geração Y vieram de um ambiente mais repressor e costumaram oferecer
tudo aos filhos. Como consequência, os jovens crescem com menos
responsabilidade e costumam ter tudo nas mãos. O processo de amadurecimento é
postergado.
Como um jovem assim faz para descobrir o que realmente o interessa? Tudo passa pelo autoconhecimento. Tudo o
que o jovem puder fazer para se conhecer melhor é válido, encurta caminhos.
Sempre recomendo aos jovens que consultem pais, professores e amigos e os
questionem quais os talentos são mais salientes em sua personalidade.
Identificar a percepção que pessoas próximas têm de nós nos ajuda a perceber
quais são nossos traços mais fortes. Aliado a isso, existe um exame de
consciência intenso que precisa ser feito. Questionar-se sobre os valores e
desejos ajudam a construir um futuro profissional sólido.
Quais são os principais equívocos dos jovens que estão ingressando
agora no mercado de trabalho? Eles não têm foco. Eles fecham os olhos e
atiram para todos os lados. Com frequência vejo garotos se inscrevendo em 30
processos seletivos de uma única vez. Como os processos costumam ser longos,
eles acabam desgastados ou desistem diante dos primeiros obstáculos. Para
evitar essa situação, sugiro que antes de se inscrever o jovem faça uma
pesquisa criteriosa das empresas. Ele precisa encontrar aquelas que mais têm a
ver com ele, com seus valores e objetivos. Sem esse conhecimento, aumentam as
chances de frustrações e diminuem as chances de sucesso.
De maneira geral, que perfil profissional as empresas buscam hoje? Elas
buscam pessoas com iniciativa, que tenham determinação, capacidade de análise e
argumentação. Os candidatos precisam ter sustentação pessoal, saber trabalhar
em time e comunicar com clareza. Recentemente realizamos um levantamento sobre
os requisitos que mais eliminam candidatos nos processos seletivos. São eles:
capacidade de análise e sustentação. Percebemos que os jovens leem cada vez
menos e por isso tem dificuldade de fazer uma análise mais profunda dos temas
mais variados. Sem essa capacidade, eles não conseguem sustentar seus pontos de
vista.
Que tipo de atividade ajuda nesse processo? Recomendo
sempre participar de agremiações, organizações estudantis e empresas júnior.
Tudo o que puder ser feito nesse sentido é enriquecedor porque ajuda a
desenvolver capacidades valorizadas pelo mercado de trabalho. Esportes
coletivos também auxiliam bastante. Por fim, indico sempre o envolvimento com
trabalho voluntário. Conhecer e se sensibilizar com diferentes realidades é
extremamente importante.
O que mudou nos processos seletivos nos últimos anos? Antes,
ter cursado uma boa universidade era certificação de sucesso profissional. Um
diploma conceituado era como um atestado de inteligência – e isso bastava. As
empresas concluíam que, se o candidato tinha tido capacidade de passar em um
vestibular difícil, ele era um bom profissional. Mais tarde, elas perceberam
que as coisas não funcionavam exatamente
dessa forma. Uma pessoa pode ser inteligente, mas se não sabe se comunicar,
trabalhar em grupo ou liderar sua inteligência não é muito efetiva no trabalho.
Hoje, o que importa são as características comportamentais e os valores
pessoais de cada um. Até o inglês, que costumava ser prérrequisito indispensável,
hoje já não é mais: inglês se aprende, mas certas habilidades, como iniciativa,
não.
As empresas já se adaptaram aos jovens da geração Y? Algumas
lidam melhor com eles do que outras. O que as companhias começam a entender
agora é que, para atrair os jovens, elas precisam treinar seus gestores para
que eles saibam lidar com essa geração. Caso contrário, haverá um choque.
Quando as duas partes se dispõem a dialogar e a aprender uma com a outra, as
coisas fluem melhor.
Quem são os líderes dessa geração? São
gente de carne e osso. Pessoas próximas, que servem de exemplo no dia a dia e
não mais aquelas figuras históricas das quais sempre ouvimos falar que mereciam
respeito. Muitas vezes, são pessoas que não fizeram nada de extraordinário, mas
que exercem bem o papel de gestor. A admiração hoje está mais ligada às figuras
que cumprem aquilo que falam, que lideram pelo exemplo. É uma figura palpável,
não o mito como costumava ser antigamente.
O
Prêmio Jovens Inspiradores pretende revelar novas lideranças para o Brasil. A
senhora sente que os profissionais dessa nova geração estão mais preocupados
com o país em que vivem? Sem
dúvida. Em uma pesquisa recente pedimos para os jovens apontarem em que empresa
gostariam de começar a carreira. Quase metade deles citou companhias nacionais.
Isso reflete a realidade do Brasil hoje. Há 30 anos, quando comecei a trabalhar
com programas de trainee, o maior sonho do jovem brasileiro era ter uma
carreira no exterior. Eles queriam passagem de ida sem data para voltar. Hoje,
eles querem experiência internacional, mas já não estão mais dispostos a abrir
mão de viver em seu país. Eles vão para fora, estudam, trabalham e voltam para
construir uma carreira aqui.
POR:
VEJA