quinta-feira, 5 de abril de 2018

LEITURA: 01 (TEMA: "DIREITO DE VOTO: COMO PROMOVER MUDANÇAS SOCIAIS" (ENEM)



1. UM CLÁSSICO LITERÁRIO:

A grande imprensa vem noticiando um fato literário: o romance 1984, do escritor inglês George Orwell, está sendo intensamente lido em países como os EUA. Como explicar que este clássico da literatura do século XX ainda chame a atenção de tantos leitores neste início de 2017? Como é que um romance publicado em 1949, torna-se uma espécie de oraculo literário para pessoas que, diante de tantas ameaças conservadoras, não cessam de roer as unhas?
Segundo alguns jornalistas, as medidas políticas e o perfil ideológico do presidente norte americano Donald Trump, contribuem para colocar novamente em circulação um romance que levanta problemas políticos tais como o autoritarismo e a manipulação de massa. Não é pra menos: embora palavras como controle, vigilância, perseguição e tortura não tenham sido inventadas por Orwell, elas se fazem presentes nas preocupantes notícias fornecidas pela imprensa como um todo. Definitivamente, a leitura da obra deste autor inglês proporciona frio na espinha porque o que ela relata não é ficção delirante: é a ficção que leva a uma reflexão sobre aquilo que é ou pode ser verídico(e este realmente é o grande barato da ficção).
Partindo da versão de que o interesse pela obra de Orwell possui relação com os temores que a política de Trump despertam, estamos diante de um importante fenômeno cultural: a literatura que denunciou o totalitarismo político do século passado, ganha força num quadro histórico em que os trabalhadores e as minorias se sentem ameaçados. Para quem é calejado no método marxista, conceber a literatura como forma de denúncia política não representa nenhuma novidade. Certamente o marxismo é a corrente que possui as melhores condições teóricas para lidar com esta questão.
George Orwell foi escritor, jornalista e ensaísta numa época em que o terror sacudia os homens de letras. Ele sentiu na pele a Guerra civil espanhola(1936-39) e a Segunda Guerra mundial(1939-45). Naquele momento, que na expressão do crítico literário Victor Serge foi “ a meia noite do século “, as noções de passado, presente e futuro poderiam desaparecer perante a barbárie. A reação ao fascismo e ao stalinismo gerava diferentes posições estéticas. No caso de Orwell a escrita caminhava na direção daquilo que alguns classificam como romance distópico. Para aquela geração de militantes socialistas, a exemplo do próprio autor inglês, os horrores produzidos pela engenharia ideológica do totalitarismo estimulava a criação de enredos sombrios. George Orwell afirmou que quando escrevia não estava interessado em produzir obras de arte mas sim realizar denúncias.
Um dos possíveis títulos para o livro 1984 seria O Último Homem da Europa. O enredo desolador é bem conhecido: o personagem Winston é um funcionário do Ministério da Verdade, na imaginária região Pista de Pouso Número 1, que integra um bloco da Oceania. Trata-se de uma sociedade totalitária, na qual o culto à personalidade do Grande Irmão traz profundas semelhanças com aquilo que rolava na Alemanha de Hitler e na União Soviética de Stálin. Na adoração da figura do Grande Irmão, reside uma prática política em que o Estado determina o que é fato, o que é real, o que é verdade. A obra expõe que num regime totalitário a produção de imagens, a criação de narrativas, funcionam como artimanhas ideológicas que asseguram a manipulação de massa: o amor, o desejo sexual, a oposição política e a crítica são facilmente reprimidos.
A possibilidade mental de interpretar fatos externos, produzindo outras versões/leituras, não existe perante o discurso oficial do Estado, detentor da verdade. Este é o drama do personagem Winston. Este é o drama de uma população que não pode pensar: quem pensasse cairia nas mãos da Polícia do Pensamento e depois seria vaporizado. Sendo assim a sacada de Orwell ainda atinge pessoas aterrorizadas com um mundo em que os fatos políticos atropelam seus desejos/necessidades. O diagnóstico sobre um futuro asfixiante, a composição futura de uma sociedade baseada no controle das massas, ainda nos toca de perto: mesmo que o imaginário da obra seja produto dos elementos políticos e culturais do seu tempo, ele pode causar terror num jovem leitor.
1984 pode parecer muito pop para leitores que não são muito chegados aos clássicos. Tais leitores incorrem numa atitude perigosa, pois afinal de contas, a literatura não possui prazo de validade. São muitas vezes nas obras do passado que encontramos as energias literárias capazes de incrementar a crítica política ao mundo atual; e o clássico de Orwell está aí pra isso. Comparado a Charles Dickens e possuindo paralelos literários com a obra de outros escritores de peso tais como Jack London e Aldous Huxley, Georg Orwell nos oferece uma fatia sombria do século XX. A luta contra a barbárie hoje, é uma desesperada resistência para que o que Orwell escreveu não saia mais de dentro das páginas do livro.

FONTE: http://www.esquerdadiario.com.br/George-Orwell-A-literatura-como-denuncia-politica


2. OUTRAS OBRAS LITERATURA:

https://homoliteratus.com/7-livros-para-entender-politica/

LEITURA: 02




Algumas séries e filmes podem constituir-se como excelente repertório sociocultural na elaboração do tema citado na Leitura 01.

1) SÉRIES (SUPERINTERESSANTE):

https://super.abril.com.br/galeria/10-series-de-tv-para-quem-gosta-de-politica/


2) FILMES (PRAGMATISMO POLÍTICO):

https://www.pragmatismopolitico.com.br/2017/09/filmes-politicos-e-sociais.html

LEITURA: 03




LETRAS DE MÚSICA

1. VOTO NÃO TEM PREÇO, TEM CONSEQUÊNCIA (MCCE)

http://www.cicaf.org.br/phocadownload/musicas/voto.pdf


2.Perfeição (Renato Russo)


Vamos celebrar a estupidez humana
A estupidez de todas as nações
O meu país e sua corja de assassinos
Covardes, estupradores e ladrões
Vamos celebrar a estupidez do povo
Nossa polícia e televisão
Vamos celebrar nosso governo
E nosso estado, que não é nação
Celebrar a juventude sem escola
As crianças mortas
Celebrar nossa desunião
Vamos celebrar eros e thanatos
Persephone e hades
Vamos celebrar nossa tristeza
Vamos celebrar nossa vaidade
Vamos comemorar como idiotas
A cada fevereiro e feriado
Todos os mortos nas estradas
Os mortos por falta de hospitais
Vamos celebrar nossa justiça
A ganância e difamação
Vamos celebrar os preconceitos
O voto dos analfabetos
Comemorar a água podre
E todos os impostos
Queimadas, mentiras e seqüestros
Nosso castelo de cartas marcadas
O trabalho escravo
Nosso pequeno universo
Toda hipocrisia e toda afetação
Todo roubo e toda indiferença
Vamos celebrar epidemias:
É a festa da torcida campeã
Vamos celebrar a fome
Não ter a quem ouvir
Não se ter a quem amar
Vamos alimentar o que é maldade
Vamos machucar o coração
Vamos celebrar nossa bandeira
Nosso passado de absurdos gloriosos
Tudo o que é gratuito e feio
Tudo o que é normal
Vamos cantar juntos o hino nacional
(a lágrima é verdadeira)
Vamos celebrar nossa saudade
E comemorar a nossa solidão
Vamos festejar a inveja
A intolerância e a incompreensão
Vamos festejar a violência
E esquecer a nossa gente
Que trabalhou honestamente a vida inteira
E agora não tem mais direito a nada
Vamos celebrar a aberração
De toda a nossa falta de bom senso
Nosso descaso por educação
Vamos celebrar o horror
De tudo isso - com festa, velório e caixão
Está tudo morto e enterrado agora
Já que também não podemos celebrar
A estupidez de quem cantou esta canção
Venha meu coração está com pressa
Quando a esperança está dispersa
Só a verdade me liberta
Chega de maldade e ilusão
Venha, o amor tem sempre a porta aberta
E vem chegando a primavera
Nosso futuro recomeça:
Venha, que o que vem é perfeição



3. TÁ NA HORA DE VOTAR (DESCONHECIDO)

Tá na hora de votar
Mostrar a nossa opinião
Temos que participar
Decidir a eleição

Nosso voto tem valor
É nosso dever e direto 
Vota Brasil com amor
Pra vereador e prefeito

Vote em paz, vote de coração
Chegou a hora da verdade
O destino da cidade
Está, nas suas mãos, vota Brasil

Vota Brasil
Vota com decisão
Vota cidade
Vota nação

(Repete_ Refrão)

4. O Virus da Corrupção (Bezerra da Silva)
  

REFRÃO
Ele vai subir novamente lá no morro
Apertando mão em mão, pedindo voto de novo.
A rapaziada já sabe que é o ladrão do dinheiro do povo!
Toda favela já sabe que é o ladrão do dinheiro do povo!

Quando ele está em campanha
Diz que vai resolver toda situação.
Depois de tá eleito adianta o seu lado
E dá uma banana para o meu povão
Perde a credibilidade, a moral e o pudor
Tira o pão da boca das crianças
Do aposentado e do trabalhador!

Ele vai subir novamente lá no morro
Apertando mão em mão, pedindo voto de novo.
A rapaziada já sabe que é o ladrão do dinheiro do povo!
Toda favela já sabe que é o ladrão do dinheiro do povo!

Na eleição passada,
Através do morro ele se elegeu.
Nada fez pelo pobre favelado
E num boeing de luxo desapareceu.
Foi comemorar a vitória em sua mansão
No distrito federal.
Eu só fui saber que ele estava vivo
Pq saiu como corrupto no jornal.

De norte a sul,
De leste a oeste meu irmão.
Como tem político contaminado
Com o vírus da corrupção! (2x)

Ele vai subir novamente lá no morro
Apertando mão em mão, pedindo voto de novo.
A rapaziada já sabe que é o ladrão do dinheiro do povo!
Toda favela já sabe que é o ladrão do dinheiro do povo!






LEITURA: 04


DIREITO DE VOTO: um forte instrumento de mudança política e social


A realização das Eleições 2012 para o cargo de prefeito e de verador nos municípios brasileiros se aproxima, e, com ela, aumenta a expectativa de mudanças no cenário político do Brasil.

Muitos eleitores, entretanto, não acreditam ser possível mudar a história do país e insistem na ideia de que a corrupção é inerente à política brasileira.

Todavia, as eleições municipais deste ano determinarão o futuro de cada cidade para os próximos quatro anos, motivo pelo qual é fundamental que cada eleitor faça a sua opção de modo consciente e com seriedade.

Nesse contexto, é necessário entender que a República Federativa do Brasil constitui-se em Estado democrático de direito no qual “todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente” (art. 1º, parágrafo único, da Constituição Federal de 1988).

Assim, o sentido da democracia está na possibilidade de o cidadão exercer a soberania popular, que se concretiza pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto1 na escolha dos governantes. Daí, o eleitor tem em suas mãos um importante instrumento de mudança política e social: o voto.

O Brasil é um país reconhecido pela sua ampla representatividade democrática. No entanto, nem sempre foi assim. Houve momentos em nossa história de grandes restrições ao direito de participação popular no processo de escolha dos governantes: as mulheres não tinham direito de votar; o voto era definido pela renda (voto censitário – direito apenas dos ricos) e, ainda, controlado por coronéis (voto de cabresto).

Desse modo, no atual contexto político e social do Brasil, os dias destinados à realização das eleições representam um dos raros momentos em que todos se igualam, pois não há diferença de raça, sexo, condição financeira, classe ou grupo social, já que existe igualdade de valor no voto dado por cada cidadão.

Diante da liberdade e da igualdade no exercício da soberania popular, é fundamental que o voto seja consciente, pois esse é um fator preponderante para que se alcance um resultado satisfatório no pleito.

Mas como alcançar essa consciência?

Conhecer o funcionamento do processo eleitoral brasileiro, entender o sistema por meio do qual os candidatos são eleitos, perceber o que é legítimo e aquilo que ofende a moralidade da disputa eleitoral contribui para a conscientização do eleitor na escolha de seus representantes.

É importante que o eleitor procure se informar a respeito das ideias do partido político ao qual o seu candidato está filiado, pois a ideologia partidária – ou seja, os propósitos daquela legenda – está ligada ao que o candidato escolhido realizará se for eleito.

O eleitor deve estar atento à atuação de cada candidato. Aqueles que possam tentar comprar votos ou oferecer alguma vantagem em troca de apoio político certamente continuarão a promover a corrupção se forem eleitos.

Precisamos entender, contudo, que nem todo político é igual ou corrupto. Existem candidatos interessados em promover uma mudança social e política, por isso devemos buscar conhecer as propostas do candidato e do seu partido, assim como o seu passado.

De outra parte, considerando que, nas eleições municipais deste ano, haverá disputa para os cargos de prefeito e de vereador, é importante – para o aperfeiçoamento da conscientização cívica – distinguir os sistemas por meio dos quais serão eleitos os candidatos.

No Brasil, as eleições realizam-se por meio de dois sistemas, a saber: o sistema majoritário, aplicado aos cargos do Poder Executivo (presidente, governador e prefeito) e ao cargo de senador; e o sistema proporcional, adotado para os cargos do Poder Legislativo (deputado federal, deputado estadual, deputado distrital e vereador), exceto para senador.

O sistema majoritário consiste em declarar eleito o candidato que tenha recebido a maioria dos votos válidos2. Essa maioria pode ser absoluta, quando se elege – no primeiro turno para o cargo do Poder Executivo – o candidato que tenha alcançado o mínimo de 50% dos votos válidos mais um voto; ou pode ser simples, hipótese em que se elege o candidato para os cargos de presidente, governador e prefeito que, no segundo turno, tenha puramente obtido mais votos que o segundo colocado3.

Já no sistema proporcional, são computados os votos não apenas do candidato, mas também os do partido político ou da coligação. Isso porque, para se identificar o candidato eleito, observam-se as legendas que obtiveram o número necessário de votos e, posteriormente, os candidatos que alcançaram o maior número de votos dentro de cada partido vencedor.

Sendo assim, o cálculo do resultado final de uma eleição realizada pelo sistema proporcional é feito a partir das seguintes fórmulas:

1º) define-se o quociente eleitoral (QE) pelo número de votos válidos (da eleição) divididos pelo número de cadeiras disputadas (QE = votos válidos / nº de cadeiras)4;

2º) a seguir, calcula-se o quociente partidário (QP) pela divisão dos votos válidos de cada partido político ou coligação pelo quociente eleitoral (QP = votos válidos da legenda ou da coligação / QE).

O resultado do quociente partidário corresponderá ao número de cadeiras a serem ocupadas pelo partido político ou pela coligação, ou seja, após o cálculo do QP serão definidos dentro do partido aqueles candidatos que terão sido eleitos dentre os que tiveram mais votos, sendo que a sobra de vagas será calculada pelo número de votos válidos do partido ou da coligação dividido pelo número de lugares obtidos mais um. A vaga será daquele que alcançar o maior resultado.

Nota-se, então, que votar no candidato significa votar no partido ou na coligação. Daí a importância de se observar e conhecer não apenas as propostas do candidato, mas também as dos partidos políticos e das coligações.

O eleitor deve, ainda, estar atento e se informar a respeito dos demais candidatos que concorrem pela legenda ou coligação formada pelo partido do candidato de sua preferência, tendo em vista que sua opção contribuirá para a eleição daqueles.

Finalmente, não podemos deixar de ressaltar que, nestas eleições, terá início a aplicação da Lei da Ficha Limpa, que, criada a partir da iniciativa popular, representa uma das maiores conquistas no combate à corrupção, haja vista que suas disposições impedem que os maus políticos sejam eleitos.

Espera-se que esse marco histórico na democracia brasileira motive o eleitor a votar de maneira consciente e interessada, depositando a sua confiança em candidatos dignos e honestos, pois sua escolha refletirá no futuro da sua cidade.

Diante das considerações apresentadas, conclui-se que o cidadão, no pleno exercício da democracia, tem um forte papel no destino do seu país, cujo instrumento é o voto consciente. Logo, o eleitor que exercer o seu direito ao voto – a partir de uma decisão madura, refletida e consciente – contribuirá para impedir a eleição de maus políticos e possibilitará o alcance de uma maior legitimidade no processo eleitoral.


REFERÊNCIAS:

* Especialista em Direito Eleitoral pela Uniderp em convênio com o Instituto de Direito Público (IDP). Analista judiciário do TSE.



1 Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: I – plebiscito; II – referendo; III – iniciativa popular.


2 Nos termos do art. 77 da CF/1988 e dos arts. 2º e 5º da Lei nº 9.504/1997, votos válidos são aqueles dados a um dos candidatos (chamados nominais) e os destinados a um partido político (chamados de legenda), excluídos, portanto, os brancos e os nulos.



3 A maioria simples é regra observada para o cargo de prefeito nos municípios com menos de 200 (duzentos) mil eleitores e cargo de senador.



Apenas os partidos políticos e as coligações que alcançarem o quociente eleitoral terão direito a disputar as vaga na Casa Legislativa.

FONTE:  https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8581370080405228964#editor/target=post;postID=4547475068386324452

LEITURA: 05



Os alunos que vão escrever sobre o tema "Direito de voto: como promover as transformações sociais de que o Brasil necessita" podem ler o material dessas últimas postagens para formalizar o ponto de vista para a dissertação argumentativa.

Marilena Chauí deu uma aula sobre democracia

Autor: 
 
            Na Frente Paulista pelo Direito à Comunicação e Liberdade de Expressão -Frentex- em evento sobre Liberdade de Expressão para quem? ,Maria Chauí deu aula sobre democracia. (aqui). Em tempos tão obscuros, vale a pena compreender melhor ou relembrar do que se trata a democracia que a esquerda reivindica e luta. Transcrevo abaixo:
"I. Democracia e autoritarismo social

Estamos acostumados a aceitar a definição liberal da democracia como regime da lei e da ordem para a garantia das liberdades individuais. Visto que o pensamento e a prática liberais identificam a liberdade com a ausência de obstáculos à competição, essa definição da democracia significa, em primeiro lugar, que a liberdade se reduz à competição econômica da chamada “livre iniciativa” e à competição política entre partidos que disputam eleições; em segundo, que embora a democracia apareça justificada como “valor” ou como “bem”, é encarada, de fato, pelo critério da eficácia, medida no plano do poder executivo pela atividade de uma elite de técnicos competentes aos quais cabe a direção do Estado. A democracia é, assim, reduzida a um regime político eficaz, baseado na idéia de cidadania organizada em partidos políticos, e se manifesta no processo eleitoral de escolha dos representantes, na rotatividade dos governantes e nas soluções técnicas para os problemas econômicos e sociais.
Ora, há, na prática democrática e nas idéias democráticas, uma profundidade e uma verdade muito maiores e superiores ao que liberalismo percebe e deixa perceber.

Podemos, em traços breves e gerais, caracterizar a democracia ultrapassando a simples idéia de um regime político identificado à forma do governo, tomando-a como forma geral de uma sociedade e, assim, considerá-la:

1. forma sócio-política definida pelo princípio da isonomia ( igualdade dos cidadãos perante a lei) e da isegoria (direito de todos para expor em público suas opiniões, vê-las discutidas, aceitas ou recusadas em público), tendo como base a afirmação de que todos são iguais porque livres, isto é, ninguém está sob o poder de um outro porque todos obedecem às mesmas leis das quais todos são autores (autores diretamente, numa democracia participativa; indiretamente, numa democracia representativa). Donde o maior problema da democracia numa sociedade de classes ser o da manutenção de seus princípios – igualdade e liberdade – sob os efeitos da desigualdade real;

2. forma política na qual, ao contrário de todas as outras, o conflito é considerado legítimo e necessário, buscando mediações institucionais para que possa exprimir-se. A democracia não é o regime do consenso, mas do trabalho dos e sobre os conflitos. Donde uma outra dificuldade democrática nas sociedades de classes: como operar com os conflitos quando estes possuem a forma da contradição e não a da mera oposição?

3. forma sócio-política que busca enfrentar as dificuldades acima apontadas conciliando o princípio da igualdade e da liberdade e a existência real das desigualdades, bem como o princípio da legitimidade do conflito e a existência de contradições materiais introduzindo, para isso, a idéia dos direitos ( econômicos, sociais, políticos e culturais). Graças aos direitos, os desiguais conquistam a igualdade, entrando no espaço político para reivindicar a participação nos direitos existentes e sobretudo para criar novos direitos. Estes são novos não simplesmente porque não existiam anteriormente, mas porque são diferentes daqueles que existem, uma vez que fazem surgir, como cidadãos, novos sujeitos políticos que os afirmaram e os fizeram ser reconhecidos por toda a sociedade.

4. graças à idéia e à prática da criação de direitos, a democracia não define a liberdade apenas pela ausência de obstáculos externos à ação, mas a define pela autonomia, isto é, pela capacidade dos sujeitos sociais e políticos darem a si mesmos suas próprias normas e regras de ação. Passa-se, portanto, de uma definição negativa da liberdade – o não obstáculo ou o não-constrangimento externo – a uma definição positiva – dar a si mesmo suas regras e normas de ação. A liberdade possibilita aos cidadãos instituir contra-poderes sociais por meio dos quais interferem diretamente no poder por meio de reivindicações e controle das ações estatais.

5. pela criação dos direitos, a democracia surge como o único regime político realmente aberto às mudanças temporais, uma vez que faz surgir o novo como parte de sua existência e, conseqüentemente, a temporalidade é constitutiva de seu modo de ser, de maneira que a democracia é a sociedade verdadeiramente histórica, isto é, aberta ao tempo, ao possível, às transformações e ao novo. Com efeito, pela criação de novos direitos e pela existência dos contra-poderes sociais, a sociedade democrática não está fixada numa forma para sempre determinada, pois não cessa de trabalhar suas divisões e diferenças internas, de orientar-se pela possibilidade objetiva de alterar-se pela própria práxis;

6. única forma sócio-política na qual o caráter popular do poder e das lutas tende a evidenciar-se nas sociedades de classes, na medida em que os direitos só ampliam seu alcance ou só surgem como novos pela ação das classes populares contra a cristalização jurídico-política que favorece a classe dominante. Em outras palavras, a marca da democracia moderna, permitindo sua passagem de democracia liberal á democracia social, encontra-se no fato de que somente as classes populares e os excluídos (as “minorias”) reivindicam direitos e criam novos direitos;

7. forma política na qual a distinção entre o poder e o governante é garantida não só pela presença de leis e pela divisão de várias esferas de autoridade, mas também pela existência das eleições, pois estas ( contrariamente do que afirma a ciência política) não significam mera “alternância no poder”, mas assinalam que o poder está sempre vazio, que seu detentor é a sociedade e que o governante apenas o ocupa por haver recebido um mandato temporário para isto. Em outras palavras, os sujeitos políticos não são simples votantes, mas eleitores. Eleger significa não só exercer o poder, mas manifestar a origem do poder, repondo o princípio afirmado pelos romanos quando inventaram a política: eleger é “dar a alguém aquilo que se possui, porque ninguém pode dar o que não tem”, isto é, eleger é afirmar-se soberano para escolher ocupantes temporários do governo.
Dizemos, então, que uma sociedade — e não um simples regime de governo — é democrática quando, além de eleições, partidos políticos, divisão dos três poderes da república, respeito à vontade da maioria e da minoria, institui algo mais profundo, que é condição do próprio regime político, ou seja, quando institui direitos e que essa instituição é uma criação social, de tal maneira que a atividade democrática social realiza-se como uma contra-poder social que determina, dirige, controla e modifica a ação estatal e o poder dos governantes.
Se esses são os principais traços da sociedade democrática, podemos avaliar as enormes dificuldades para instituir a democracia no Brasil. De fato, a sociedade brasileira é estruturalmente violenta, hierárquica, vertical, autoritária e oligárquica e o Estado é patrimonialista e cartorial, organizado segundo a lógica clientelista e burocrática. O clientelismo bloqueia a prática democrática da representação — o representante não é visto como portador de um mandato dos representados, mas como provedor de favores aos eleitores. A burocracia bloqueia a democratização do Estado porque não é uma organização do trabalho e sim uma forma de poder fundada em três princípios opostos aos democráticos: a hierarquia, oposta à igualdade; o segredo, oposto ao direito à informação; e a rotina de procedimentos, oposta à abertura temporal da ação política.
Além disso, social e economicamente nossa sociedade está polarizada entre a carência absoluta das camadas populares e o privilégio absoluto das camadas dominantes e dirigentes, bloqueando a instituição e a consolidação da democracia. Um privilégio é, por definição, algo particular que não pode generalizar-se nem universalizar-se sem deixar de ser privilégio. Uma carência é uma falta também particular ou específica que se exprime numa demanda também particular ou específica, não conseguindo generalizar-se nem universalizar-se. Um direito, ao contrário de carências e privilégios, não é particular e específico, mas geral e universal, seja porque é o mesmo e válido para todos os indivíduos, grupos e classes sociais, seja porque embora diferenciado é reconhecido por todos (como é caso dos chamados direitos das minorias). Assim, a polarização econômico-social entre a carência e o privilégio ergue-se como obstáculo à instituição de direitos, definidora da democracia.

A esses obstáculos, podemos acrescentar ainda aquele decorrente do neoliberalismo, qual seja o encolhimento do espaço público e o alargamento do espaço privado. Economicamente, trata-se da eliminação de direitos econômicos, sociais e políticos garantidos pelo poder público, em proveito dos interesses privados da classe dominante, isto é, em proveito do capital; a economia e a política neoliberais são a decisão de destinar os fundos públicos aos investimentos do capital e de cortar os investimentos públicos destinados aos direitos sociais, transformando-os em serviços definidos pela lógica do mercado, isto é, a privatização dos direitos transformados em serviços, privatização que aumenta a cisão social entre a carência e o privilégio, aumentando todas formas de exclusão. Politicamente o encolhimento do público e o alargamento do privado colocam em evidência o bloqueio a um direito democrático fundamental sem o qual a cidadania, entendida como participação social, política e cultural é impossível, qual seja, o direito à informação.
II. Os meios de comunicação como exercício de poder

Podemos focalizar o exercício do poder pelos meios de comunicação de massa sob dois aspectos principais: o econômico e o ideológico.

Do ponto de vista econômico, os meios de comunicação fazem parte da indústria cultural. Indústria porque são empresas privadas operando no mercado e que, hoje, sob a ação da chamada globalização, passa por profundas mudanças estruturais, “num processo nunca visto de fusões e aquisições, companhias globais ganharam posições de domínio na mídia.”, como diz o jornalista Caio Túlio Costa. Além da forte concentração (os oligopólios beiram o monopólio), também é significativa a presença, no setor das comunicações, de empresas que não tinham vínculos com ele nem tradição nessa área. O porte dos investimentos e a perspectiva de lucros jamais vistos levaram grupos proprietários de bancos, indústria metalúrgica, indústria elétrica e eletrônica, fabricantes de armamentos e aviões de combate, indústria de telecomunicações a adquirir, mundo afora, jornais, revistas, serviços de telefonia, rádios e televisões, portais de internet, satélites, etc..

No caso do Brasil, o poderio econômico dos meios é inseparável da forma oligárquica do poder do Estado, produzindo um dos fenômenos mais contrários à democracia, qual seja, o que Alberto Dines chamou de “coronelismo eletrônico”, isto é, a forma privatizada das concessões públicas de canais de rádio e televisão, concedidos a parlamentares e lobbies privados, de tal maneira que aqueles que deveriam fiscalizar as concessões públicas se tornam concessionários privados, apropriando-se de um bem público para manter privilégios, monopolizando a comunicação e a informação. Esse privilégio é um poder político que se ergue contra dois direitos democráticos essenciais: a isonomia (a igualdade perante a lei) e a isegoria (o direito à palavra ou o igual direito de todos de expressar-se em público e ter suas opiniões publicamente discutidas e avaliadas). Numa palavra, a cidadania democrática exige que os cidadãos estejam informados para que possam opinar e intervir politicamente e isso lhes é roubado pelo poder econômico dos meios de comunicação.

A isonomia e a isegoria são também ameaçadas e destruídas pelo poder ideológico dos meios de comunicação. De fato, do ponto de vista ideológico, a mídia exerce o poder sob a forma do denominamos a ideologia da competência, cuja peculiaridade está em seu modo de aparecer sob a forma anônima e impessoal do discurso do conhecimento, e cuja eficácia social, política e cultural está fundada na crença na racionalidade técnico-científica.

A ideologia da competência pode ser resumida da seguinte maneira: não é qualquer um que pode em qualquer lugar e em qualquer ocasião dizer qualquer coisa a qualquer outro. O discurso competente determina de antemão quem tem o direito de falar e quem deve ouvir, assim como pré-determina os lugares e as circunstâncias em que é permitido falar e ouvir, e define previamente a forma e o conteúdo do que deve ser dito e precisa ser ouvido. Essas distinções têm como fundamento uma distinção principal, aquela que divide socialmente os detentores de um saber ou de um conhecimento (científico, técnico, religioso, político, artístico), que podem falar e têm o direito de mandar e comandar, e os desprovidos de saber, que devem ouvir e obedecer. Numa palavra, a ideologia da competência institui a divisão social entre os competentes, que sabem e por isso mandam, e os incompetentes, que não sabem e por isso obedecem.

Enquanto discurso do conhecimento, essa ideologia opera com a figura do especialista. Os meios de comunicação não só se alimentam dessa figura, mas não cessam de institui-la como sujeito da comunicação. O especialista competente é aquele que, no rádio, na TV, na revista, no jornal ou no multimídia, divulga saberes, falando das últimas descobertas da ciência ou nos ensinando a agir, pensar, sentir e viver. O especialista competente nos ensina a bem fazer sexo, jardinagem, culinária, educação das crianças, decoração da casa, boas maneiras, uso de roupas apropriadas em horas e locais apropriados, como amar Jesus e ganhar o céu, meditação espiritual, como ter um corpo juvenil e saudável, como ganhar dinheiro e subir na vida. O principal especialista, porém, não se confunde com nenhum dos anteriores, mas é uma espécie de síntese, construída a partir das figuras precedentes: é aquele que explica e interpreta as notícias e os acontecimentos econômicos, sociais, políticos, culturais, religiosos e esportivos, aquele que devassa, eleva e rebaixa entrevistados, zomba, premia e pune calouros — em suma, o chamado “formador de opinião” e o “comunicador”.

Ideologicamente, o poder da comunicação de massa não é um simples inculcação de valores e idéias, pois, dizendo-nos o que devemos pensar, sentir, falar e fazer, o especialista, o formador de opinião e o comunicados nos dizem que nada sabemos e por isso seu poder se realiza como manipulação e intimidação social e cultural.

Um dos aspectos mais terríveis desse duplo poder dos meios de comunicação se manifesta nos procedimentos midiáticos de produção da culpa e condenação sumária dos indivíduos, por meio de um instrumento psicológico profundo: a suspeição, que pressupõe a presunção de culpa. Ao se referir ao período do Terror, durante a Revolução Francesa, Hegel considerou que uma de suas marcas essenciais é afirmar que, por princípio, todos são suspeitos e que os suspeitos são culpados antes de qualquer prova. Ao praticar o terror, a mídia fere dois direitos constitucionais democráticos, instituídos pela Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789 (Revolução Francesa) e pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, quais sejam: a presunção de inocência (ninguém pode ser considerado culpado antes da prova da culpa) e a retratação pública dos atingidos por danos físicos, psíquicos e morais, isto é, atingidos pela infâmia, pela injúria e pela calúnia. É para assegurar esses dois direitos que as sociedades democráticas exigem leis para regulação dos meios de comunicação, pois essa regulação é condição da liberdade e da igualdade que definem a sociedade democrática.

III. Faz parte da vida da grande maioria da população brasileira ser espectadora de um tipo de programa de televisão no qual a intimidade das pessoas é o objeto central do espetáculo: programas de auditório, de entrevistas e de debates com adultos, jovens e crianças contando suas preferências pessoais desde o sexo até o brinquedo, da culinária ao vestuário, da leitura à religiosidade, do ato de escrever ou encenar uma peça teatral, de compor uma música ou um balé até os hábitos de lazer e cuidados corporais.

As ondas sonoras do rádio e as transmissões televisivas tornam-se cada vez mais consultórios sentimental, sexual, gastronômico, geriátrico, ginecológico, culinário, de cuidados com o corpo (ginástica, cosméticos, vestuário, medicamentos), de jardinagem, carpintaria, bastidores da criação artística, literária e da vida doméstica. Há programas de entrevista no rádio e na televisão que ou simulam uma cena doméstica – um almoço, um jantar – ou se realizam nas casas dos entrevistados durante o café da manhã, o almoço ou o jantar, nos quais a casa é exibida, os hábitos cotidianos são descritos e comentados, álbuns de família ou a própria são mostrados ao vivo e em cores. Os entrevistados e debatedores, os competidores dos torneios de auditório, os que aparecem nos noticiários, todos são convidados e mesmo instados com vigor a que falem de suas preferências, indo desde sabores de sorvete até partidos políticos, desde livros e filmes até hábitos sociais. Não é casual que os noticiários, no rádio e na televisão, ao promoverem entrevistas em que a notícia é intercalada com a fala dos direta ou indiretamente envolvidos no fato, tenham sempre repórteres indagando a alguém: “o que você sentiu/sente com isso?” ou “o que você achou/acha disso?” ou “você gosta? não gosta disso?”. Não se pergunta aos entrevistados o que pensam ou o que julgam dos acontecimentos, mas o que sentem, o que acham, se lhes agrada ou desagrada.

Também tornou-se um hábito nacional jornais e revistas especializarem-se cada vez mais em telefonemas a “personalidades” indagando-lhes sobre o que estão lendo no momento, que filme foram ver na última semana, que roupa usam para dormir, qual a lembrança infantil mais querida que guardam na memória, que música preferiam aos 15 anos de idade, o que sentiram diante de uma catástrofe nuclear ou ecológica, ou diante de um genocídio ou de um resultado eleitoral, qual o sabor do sorvete preferido, qual o restaurante predileto, qual o perfume desejado. Os assuntos se equivalem, todos são questão de gosto ou preferência, todos se reduzem à igual banalidade do “gosto” ou “não gosto”, do “achei ótimo” ou “achei horrível”.
Todos esses fatos nos conduzem a uma conclusão: a mídia está imersa na cultura do narcisismo.

Como observa Christopher Lash, em A Cultura do Narcisismo, os mass media tornaram irrelevantes as categorias da verdade e da falsidade substituindo-as pelas noções de credibilidade ou plausibilidade e confiabilidade – para que algo seja aceito como real basta que apareça como crível ou plausível, ou como oferecido por alguém confiável Os fatos cedem lugar a declarações de “personalidades autorizadas”, que não transmitem informações, mas preferências e estas se convertem imediatamente em propaganda. Como escreve Lash, “sabendo que um público cultivado é ávido por fatos e cultiva a ilusão de estar bem informado, o propagandista moderno evita slogans grandiloqüentes e se atém a ‘fatos’, dando a ilusão de que a propaganda é informação”.

Qual a base de apoio da credibilidade e da confiabilidade? A resposta encontra-se num outro ponto comum aos programas de auditório, às entrevistas, aos debates, às indagações telefônicas de rádios, revistas e jornais, aos comerciais de propaganda. Trata-se do apelo à intimidade, à personalidade, à vida privada como suporte e garantia da ordem pública. Em outras palavras, os códigos da vida pública passam a ser determinados e definidos pelos códigos da vida privada, abolindo-se a diferença entre espaço público e espaço privado. Assim, as relações interpessoais, as relações intersubjetivas e as relações grupais aparecem com a função de ocultar ou de dissimular as relações sociais enquanto sociais e as relações políticas enquanto políticas, uma vez que a marca das relações sociais e políticas é serem determinadas pelas instituições sociais e políticas, ou seja, são relações mediatas, diferentemente das relações pessoais, que são imediatas, isto é, definidas pelo relacionamento direto entre pessoas e por isso mesmo nelas os sentimentos, as emoções, as preferências e os gostos têm um papel decisivo. As relações sociais e políticas, que são mediações referentes a interesses e a direitos regulados pelas instituições, pela divisão social das classes e pela separação entre o social e o poder político, perdem sua especificidade e passam a operar sob a aparência da vida privada, portanto, referidas a preferências, sentimentos, emoções, gostos, agrado e aversão.

Não é casual, mas uma conseqüência necessária dessa privatização do social e do político, a destruição de uma categoria essencial das democracias, qual seja a da opinião pública. Esta, em seus inícios (desde a Revolução Francesa de 1789), era definida como a expressão, no espaço público, de uma reflexão individual ou coletiva sobre uma questão controvertida e concernente ao interesse ou ao direito de uma classe social, de um grupo ou mesmo da maioria. A opinião pública era um juízo emitido em público sobre uma questão relativa à vida política, era uma reflexão feita em público e por isso definia-se como uso público da razão e como direito à liberdade de pensamento e de expressão.

É sintomático que, hoje, se fale em “sondagem de opinião”. Com efeito, a palavra sondagem indica que não se procura a expressão pública racional de interesses ou direitos e sim que se vai buscar um fundo silencioso, um fundo não formulado e não refletido, isto é, que se procura fazer vir à tona o não-pensado, que existe sob a forma de sentimentos e emoções, de preferências, gostos, aversões e predileções, como se os fatos e os acontecimentos da vida social e política pudessem vir a se exprimir pelos sentimentos pessoais. Em lugar de opinião pública, tem-se a manifestação pública de sentimentos.

Nada mais constrangedor e, ao mesmo tempo, nada mais esclarecedor do que os instantes em que o noticiário coloca nas ondas sonoras ou na tela os participantes de um acontecimento falando de seus sentimentos, enquanto locutores explicam e interpretam o que se passa, como se os participantes fossem incapazes de pensar e de emitir juízo sobre aquilo de que foram testemunhas diretas e partes envolvidas. Constrangedor, porque o rádio e a televisão declaram tacitamente a incompetência dos participantes e envolvidos para compreender e explicar fatos e acontecimentos de que são protagonistas. Esclarecedor, porque esse procedimento permite, no instante mesmo em que se dão, criar a versão do fato e do acontecimento como se fossem o próprio fato e o próprio acontecimento. Assim, uma partilha é claramente estabelecida: os participantes “sentem”, portanto, não sabem nem compreendem (não pensam); em contrapartida, o locutor pensa, portanto, sabe e, graças ao seu saber, explica o acontecimento.

É possível perceber três deslocamentos sofridos pela idéia e prática da opinião pública: o primeiro, como salientamos, é a substituição da idéia de uso público da razão para exprimir interesses e direitos de um indivíduo, um grupo ou uma classe social pela idéia de expressão em público de sentimentos, emoções, gostos e preferências individuais; o segundo, como também observamos, é a substituição do direito de cada um e de todos de opinar em público pelo poder de alguns para exercer esse direito, surgindo, assim, a curiosa expressão “formador de opinião”, aplicada a intelectuais, artistas e jornalistas; o terceiro, que ainda não havíamos mencionado, decorre de uma mudança na relação entre s vários meios de comunicação sob os efeitos das tecnologias eletrônica e digital e da formação de oligopólios midiáticos globalizados (alguns autores afirmam que o século XXI começou com a existência de 10 ou 12 conglomerados de mass media de alcance global). Esse terceiro deslocamento se refere à forma de ocupação do espaço da opinião pública pelos profissionais dos meios de comunicação. Esses deslocamentos explicam algo curioso, ocorrido durante as sondagens de intenção de voto nas eleições presidenciais de 2006: diante dos resultados, uma jornalista do jornal O Globo escreveu que o povo estava contra a opinião pública!

O caso mais interessante é, sem dúvida, o do jornalismo impresso. Em tempos passados, cabia aos jornais a tarefa noticiosa e um jornal era fundamentalmente um órgão de notícias. Sem dúvida, um jornal possuía opiniões e as exprimia: isso era feito, de um lado, pelos editorais e por artigos de não-jornalistas, e, de outro, pelo modo de apresentação da notícia (escolha das manchetes e do “olho”, determinação da página em que deveria aparecer e na vizinhança de quais outras, do tamanho do texto, da presença ou ausência de fotos, etc.). Ora, com os meios eletrônicos e digitais e a televisão, os fatos tendem a ser noticiados enquanto estão ocorrendo, de maneira que a função noticiosa do jornal é prejudicada, pois a notícia impressa é posterior à sua transmissão pelos meios eletrônicos e pela televisão. Ou na linguagem mais costumeira dos meios de comunicação: no mercado de notícias, o jornalismo impresso vem perdendo competitividade (alguns chamam a isso de progresso; outros, de racionalidade inexorável do mercado!).

O resultado dessa situação foi duplo: de um lado, a notícia é apresentada de forma mínima, rápida e, freqüentemente, inexata – o modelo conhecido como News Letter – e, de outro, deu-se a passagem gradual do jornal como órgão de notícias a órgão de opinião, ou seja, os jornalistas comentam e interpretam as notícias, opinando sobre elas. Gradualmente desaparece uma figura essencial do jornalismo: o jornalismo investigativo, que cede lugar ao jornalismo assertivo ou opinativo. Os jornalista passam, assim, o ocupar o lugar que, tradicionalmente, cabia a grupos e classes sociais e a partidos políticos e, além disso, sua opinião não fica restrita ao meio impresso, mas passa a servir como material para os noticiários de rádio e televisão, ou seja, nesses noticiários, a notícia é interpretada e avaliada graças à referência às colunas dos jornais.

Os deslocamentos mencionados e, particularmente, este último, têm conseqüências graves sob dois aspectos principais:

1) uma vez que o jornalista concentra poderes e forma a opinião pública, pode sentir-se tentado a ir além disso e criar a própria realidade, isto é, sua opinião passa a ter o valor de um fato e a ser tomada como um acontecimento real ;

2) os efeitos da concentração do poder econômico midiático. Os meios de comunicação tradicionais (jornal, rádio, cinema, televisão) sempre foram propriedade privada de indivíduos e grupos, não podendo deixar de exprimir seus interesses particulares ou privados, ainda que isso sempre tenha imposto problemas e limitações à liberdade de expressão, que fundamenta a idéia de opinião pública. Hoje, porém, os conglomerados de alcance global controlam não só os meios tradicionais, mas também os novos meios eletrônicos e digitais, e avaliam em termos de custo-benefício as vantagens e desvantagens do jornalismo escrito ou da imprensa, podendo liquidá-la, se não acompanhar os ares do tempo.

Esses dois aspectos incidem diretamente sobre a transformação da verdade e da falsidade em questão de credibilidade e plausibilidade. Rápido, barato, inexato, partidarista, mescla de informações aleatoriamente obtidas e pouco confiáveis, não investigativo, opinativo ou assertivo, detentor da credibilidade e da plausibilidade, o jornalismo se tornou protagonista da destruição da opinião pública.

De fato, a desinformação é o principal resultado da maioria dos noticiários nos jornais, no rádio e na televisão, pois, de modo geral, as notícias são apresentadas de maneira a impedir que se possa localizá-la no espaço e no tempo.

Ausência de referência espacial ou atopia: as diferenças próprias do espaço percebido (perto, longe, alto, baixo, grande, pequeno) são apagadas; o aparelho de rádio e a tela da televisão tornam-se o único espaço real. As distâncias e proximidades, as diferenças geográficas e territoriais são ignoradas, de tal modo que algo acontecido na China, na Índia, nos Estados Unidos ou em Campina Grande apareça igualmente próximo e igualmente distante.

Ausência de referência temporal ou acronia: os acontecimentos são relatados como se não tivessem causas passadas nem efeitos futuros; surgem como pontos puramente atuais ou presentes, sem continuidade no tempo, sem origem e sem conseqüências; existem enquanto forem objetos de transmissão e deixam de existir se não forem transmitidos. Têm a existência de um espetáculo e só permanecem na consciência dos ouvintes e espectadores enquanto permanecer o espetáculo de sua transmissão.

Como operam efetivamente os noticiários?

Em primeiro lugar, estabelecem diferenças no conteúdo e na forma das notícias de acordo com o horário da transmissão e o público, rumando para o sensacionalismo e o popularesco nos noticiários diurnos e do início da noite e buscando sofisticação e aumento de fatos nos noticiários de fim de noite. Em segundo, por seleção das notícias, omitindo aquelas que possam desagradar o patrocinador ou os poderes estabelecidos. Em terceiro, pela construção deliberada e sistemática de uma ordem apaziguadora: em seqüência, apresentam, no início, notícias locais, com ênfase nas ocorrências policiais, sinalizando o sentimento de perigo; a seguir, entram as notícias regionais, com ênfase em crises e conflitos políticos e sociais, sinalizando novamente o perigo; passam às notícias internacionais, com ênfase em guerras e cataclismos (maremoto, terremoto, enchentes, furacões), ainda uma vez sinalizando perigo; mas concluem com as notícias nacionais, enfatizando as idéias de ordem e segurança, encarregadas de desfazer o medo produzido pelas demais notícias. E, nos finais de semana, terminam com notícias de eventos artísticos ou sobre animais (nascimento de um ursinho, fuga e retorno de um animal em cativeiro, proteção a espécies ameaçadas de extinção), de maneira a produzir o sentimento de bem-estar no espectador pacificado, sabedor de que, apesar dos pesares, o mundo vai bem, obrigado.

Paradoxalmente, rádio e televisão podem oferecer-nos o mundo inteiro num instante, mas o fazem de tal maneira que o mundo real desaparece, restando apenas retalhos fragmentados de uma realidade desprovida de raiz no espaço e no tempo. Como desconhecemos as determinações econômico-territoriais (geográficas, geopolíticas, etc.) e como ignoramos os antecedentes temporais e as conseqüências dos fatos noticiados, não podemos compreender seu verdadeiro significado. Essa situação se agrava com a TV a cabo, com emissoras dedicadas exclusivamente a notícias, durante 24 horas, colocando num mesmo espaço e num mesmo tempo (ou seja, na tela) informações de procedência, conteúdo e significado completamente diferentes, mas que se tornam homogêneas pelo modo de sua transmissão. O paradoxo está em que há uma verdadeira saturação de informação, mas, ao fim, nada sabemos, depois de termos tido a ilusão de que fomos informados sobre tudo.

Se não dispomos de recursos que nos permitam avaliar a realidade e a veracidade das imagens transmitidas, somos persuadidos de que efetivamente vemos o mundo quando vemos a TV ou quando navegamos pela internet. Entretanto, como o que vemos são as imagens escolhidas, selecionadas, editadas, comentadas e interpretadas pelo transmissor das notícias, então é preciso reconhecer que a TV é o mundo ou que a internet é o mundo.

A multimídia potencializa o fenômeno da indistinção entre as mensagens e entre os conteúdos. Como todas as mensagens estão integradas num mesmo padrão cognitivo e sensorial, uma vez que educação, notícias e espetáculos são fornecidos pelo mesmo meio, os conteúdos se misturam e se tornam indiscerníveis. No sistema de comunicação multimídia a própria realidade fica totalmente imersa em uma composição de imagens virtuais num mundo irreal, no qual as aparências não apenas se encontram na tela comunicadora da experiência, mas se transformam em experiência. Todas as mensagens de todos os tipos são incluídas no meio por que fica tão abrangente, tão diversificado, tão maleável, que absorve no mesmo texto ou no mesmo espaço/tempo toda a experiência humana, passada, presente e futura, como num ponto único do universo.

Se, portanto, levarmos em consideração o monopólio da informação pelas empresas de comunicação de massa, podemos considerar, do ponto de vista da ação política, as redes sociais como ação democratizadora tanto por quebrar esse monopólio, assegurando a produção e a circulação livres da informação, como também por promover acontecimentos políticos de afirmação do direito democrático à participação. No entanto, os usuários das redes sociais não possuem autonomia em sua ação e isto sob dois aspectos: em primeiro lugar, não possuem o domínio tecnológico da ferramenta que empregam e, em segundo, não detêm qualquer poder sobre a ferramenta empregada, pois este poder é uma estrutura altamente concentrada, a Internet Protocol, com dez servidores nos Estados Unidos e dois no Japão, nos quais estão alojados todos os endereços eletrônicos mundiais, de maneira que, se tais servidores decidirem se desligar, desaparece toda a internet; além disso, a gerência da internet é feita por uma empresa norte-americana em articulação com o Departamento de Comércio dos Estados Unidos, isto é, gere o cadastro da internet mundial. Assim, sob o aspecto maravilhosamente criativo e anárquico das redes sociais em ação política ocultam-se o controle e a vigilância sobre seus usuários em escala planetária, isto é, sobre toda a massa de informação do planeta.

Na perspectiva da democracia, a questão que se coloca, portanto, é saber quem detêm o controle dessa massa cósmica de informações. Ou seja, o problema é saber quem tem a gestão de toda a massa de informações que controla a sociedade, quem utiliza essas informações, como e para que as utiliza, sobretudo quando se leva em consideração um fato técnico, que define a operação da informática, qual seja, a concentração e centralização da informação, pois tecnicamente, os sistemas informáticos operam em rede, isto é, com a centralização dos dados e a produção de novos dados pela combinação dos já coletados."
FONTE: http://advivo.com.br/blog/sonia-aranha/marilena-chaui-deu-uma-aula-sobre-democracia