2. A leitura como construção do significado do texto
Algumas perspectivas sobre a formação e a evolução do conhecimento adoptam o conceito de esquema cognitivo para explicar como é que organizamos mentalmente as informações que recolhemos da nossa experiência. A metáfora adoptada por estas teorias pode servir-nos para percebermos porque é que os conhecimentos prévios do leitor são um elemento determinante para o grau de compreensão daquilo que ele lê.
De acordo com estas perspectivas (cujas fontes históricas se centram nas obras de Barttlet e Piaget), o conhecimento organiza-se em esquemas cognitivos que nos permitem descrever e explicar o mundo. São os esquemas aquilo que nos permite reconhecer estímulos, estabelecer conexões entre eles e tomar decisões acerca do que fazer na sua presença.
Estes esquemas podem estar adormecidos ou activados, quer dizer, podemos requisitá-los apenas quando os necessitamos e para tal basta ir ao grande armazém que é a memória. Este armazém tem uma secção de arquivo (memória de longo prazo) e uma secção activa (memória de trabalho): identificar objectos, reconhecer problemas, tomar decisões, executar actos, pressupõe trazer da memória de longo prazo para a memória de trabalho todos os conhecimentos relevantes (conectados) para a questão com que nos confrontamos. Cumprida a missão, estes conhecimentos regressam ao arquivo, muitas vezes modificados, devido às novas aquisições derivadas da experiência e da reflexão.
Compreender um texto consiste num processo gradual durante o qual o leitor procura uma configuração de esquemas que representem adequadamente cada uma das passagens que vai lendo. Estas passagens sugerem ao leitor interpretações possíveis que vão sendo avaliadas e reavaliadas em função das frases seguintes, até que uma interpretação consistente seja, por fim, encontrada (Rumelhart, 1980). À medida que o leitor lê, são trazidos à consciência (à memória de trabalho) os conhecimentos do repertório de informação do sujeito que são relevantes para entender o que está escrito e para fazer o trabalho de interpretação: construir um significado para o texto. O acto de interpretação corresponde à procura de uma «formulação coerente» do conteúdo do texto, sendo que esta coerência é obtida a partir de correspondências entre dados presentes na mensagem e dados presentes na memória, nos esquemas (Anderson, 1978).
Compreender a linguagem (oral ou escrita) implica descodificar uma mensagem de um modo activo. Não se trata de integrar mecanicamente a mensagem do autor nos esquemas preexistentes, acrescentando-lhes qualquer coisa. Trata-se, pelo contrário, de um processo em que é feita uma associação entre o texto percepcionado e os esquemas (conhecimento prévio) que o sujeito traz à leitura. Os esquemas que são invocados dependem do contexto de interpretação, um contexto onde se inclui a situação física e social do sujeito, o nível de atenção, o ponto de vista e restrições motivacionais, emocionais e cognitivas (Winograd, 1977; Haberlandt, 1982). Daí que o mesmo texto, quando lido em diferentes ocasiões, em diferentes estados de espírito, resulte em aprendizagens e significados diferentes. Quantas vezes não tivemos já esta experiência, ao ler pela segunda vez um livro (ao rever um filme, ao conversar de novo com alguém) de sentir que só agora compreendemos verdadeiramente o significado das palavras... Da mesma forma, o mesmo texto, lido por pessoas diferentes resulta em diferentes interpretações, já que as grelhas de leitura, podendo partilhar elementos comuns, são distintas de sujeito para sujeito. O significado das novas informações não está no texto, mas na interacção com as informações relevantes já existentes na memória. Ou seja, aquilo que aprendemos devemo-lo ao que já sabemos.
Quanto mais soubermos (quanto mais relevantes forem os nossos conhecimentos para integrarmos novas informações) mais aprenderemos e mais depressa o poderemos fazer. Este mecanismo, que explica a assimilação do conhecimento, explica, também, segundo Ausubel (et al., 1978), a relação entre a memória e a aprendizagem humana. Segundo este autor, os significados das coisas surgem sempre que se formam estas ligações significativas entre a informação nova (aquilo que se leu) e a pré-existente (aquilo que já se sabia). A aprendizagem dá-se nesse momento, quando a informação nova é assimilada à estrutura existente, ficando ancorada em ideias de suporte no mesmo domínio de conhecimento!(1) Esta interacção entre texto e estrutura cognitiva faz também com que o leitor recorde do texto elementos que aí não estavam presentes. Embora isto possa parecer surpreendente, diversos estudos o demonstraram empiricamente (cf., Le Ny, 1989).(2).
Devido a esta dimensão ideossincrática, alguns autores defendem que o texto não possui significado interno (e. g., Collins et al., 1980; Spiro, 1980; Ausubel et al., 1978; Noizet, 1980): o significado é construído pelo receptor, quando compreende (interpreta) uma mensagem. Numa mensagem nunca estão explicitadas todas as ideias do autor. Este tem intenções acerca das quais o leitor tem que fazer algumas inferências, baseando-se no seu conhecimento prévio. Este processo «inferencial» ajuda o leitor a clarificar detalhes não mencionados no texto,lendo nas entrelinhas.
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