sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Crônica Literária


SÓ JESUS
Maitê Proença

Corta a cabeça, arranca o olho, enforca, trucida. Estamos de mãos atadas assistindo à justiça que não se faz com esta gente de quinta que governa o país. A vontade é partir para barbárie. Pois se botamos o canalha ali pra manter a ordem e suprir as necessidades do Estado, com que direito eles armam pandemônios por benefícios pessoais?

A resposta vai longe e está na formação do Brasil.

Este era um país de índios cheio de riquezas quando os portugueses chegaram com sua agenda de exploração. Não houve aqui um processo para a criação de Estado, apenas colocaram uma autoridade para garantir que todo ouro, diamante e açúcar retirados, fossem parar no destino certo, ou seja, Portugal. As coisas permaneceram assim, até 1807 quando a Península Ibérica foi ocupada por forças napoleônicas. Dom João VI então, para não se render, fugiu de Portugal para sua colônia mais rica, transformando-a do dia pra noite em reino, o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves.

Fomos assim promovidos; por decreto. E o status mudou, mas o tira daqui e manda pra lá continuou igual. A vida ficou nisso até que, encerrada a ocupação napoleônica, D. João voltou pra pátria mãe deixando aqui seu filho Pedro I, um bon-vivant que gostava de música e de mulheres. Pedro namorava muito e adorava o Brasil, tanto, que ao ser chamado de volta para assumir as funções do pai, não quis saber. Disse o "fico" em janeiro de 1822 e em setembro, numa viagem pra namorar a Marquesa de Santos, gritou o "independência ou morte". Pagamos uma elevada indenização, mas pela primeira vez nossas riquezas eram nossas. A coisa ia desta forma quando Dom Pedro, por divergências com parlamentares, decidiu abandonar o barco e voltar para a Europa deixando o filho, uma criança, em seu lugar. Com tutores administrando o reino, a situação política complicou-se até que, para se restabelecer a ordem, e novamente, num golpe de gabinete, Pedro II aos 14 anos de idade, foi coroado Imperador do Brasil. Por 50 anos Dom Pedro governou a nação pacificando as diferenças entre regiões e consolidando o grande território brasileiro. Não fosse ele teríamos nos pulverizado como aconteceu com os diversos países de língua espanhola que nos cercam. Contudo, um punhado de políticos insatisfeitos, em 1889, armou novo golpe de gabinete e destituiu o imperador. Horas depois, sem aviso e na calada da noite por medo de que o povo não gostasse, enxotaram daqui a família real. Assim nasceu a república.

Quatrocentos anos em grossas pinceladas - a intenção não é esmiuçar a história, mas entender porque nossos dirigentes estão andando pros cidadãos que os elegeram, e porque o cidadão não se sente representado por seus governantes. É que, historicamente, ele nunca foi consultado. O Estado aqui sempre foi instituído de cima pra baixo, de maneira desordenada, por gente que gostava demais de poder e dinheiro. Gente com agenda própria que até hoje governa nos moldes coloniais: faço a ordem - que vale pros outros - e depois arranco a grana deles pra botar lá em casa.

Por que nos EUA, ex-colônia, também, o sistema funciona e é respeitado pelos cidadãos? Por que será, que mesmo quando o governo americano desconsidera a ética internacional, matando, humilhando e invadindo países que nunca os ameaçaram, a imprensa poupa seus mandatários e o povo os mantém no poder? Recentemente, porque o momento não era para novidades; mas, em geral e, sobretudo, porque ali as coisas principiaram de forma diferente. Enquanto o Brasil era povoado por prisioneiros, degredados e aventureiros gananciosos, na América do norte chegavam os Quakers e Pilgrims, uma gente com ideologia, saída da revolução protestante em que o homem repudiara a tutela sacerdotal católica para ser autor de seu destino; você é o que você faz. Com trabalho duro essa gente pôs-se a construir uma nação. Quando a casa estava de pé e após longa guerra de libertação, mandaram os ingleses de volta pra Europa e tomaram posse do que lhes pertencia. Foi o povo que ergueu o país, criou a república, e estabeleceu um processo democrático. Portanto, ali, o estado atende a quem o formou e o cidadão, em resposta, oferece seu apoio incondicional. E a coisa funciona.
Mas perfeição é artigo difícil, e os americanos coitados, são sérios demais, julgadores demais, e inflexíveis de dar dó. Já a gente da minha terra... é toda cheia graça. Então, Senhor, tu que nos deste o país mais bonito, bota vergonha em quem não tem nenhuma, arruma esse caos, faze um milagre. E depois Senhor, com tudo no jeito, impõe a justiça, e entrega esta pátria para quem gosta dela.


FONTE: http://www.maite.com.br/

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