domingo, 19 de junho de 2016

Política e Festival de Cannes

O que pensar?

Para não dizer que já interpretei, há muito tempo, o contexto político do nosso país...



Bem assim!!!!

http://www.cartacapital.com.br/politica/protesto-na-estreia-de-aquarius-foi-simbolico-e-eterno

CLARICE LISPECTOR E A EXPERIÊNCIA SUBJETIVA EM A PAIXÃO SEGUNDO G.H





Acessem o texto abaixo:


https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8581370080405228964#editor/src=sidebar

A LENDA DO REI ARTHUR: ALGUMAS CURIOSIDADES




Caros leitores,

os quais gostam de ampliar vivências aproveitando a abertura universal das artes, sejam elas cinematográficas, musical, literária, pintura, arquitetura ou as moderna minisséries - que não deixem de ler esse material sobre uma das novelas de cavalaria mais famosas:

"Rei Arthur e os Cavaleiros da Távola Redonda" ( ver link abaixo) ou ainda  de assistir a Camelot (minissérie).

63576http://homoliteratus.com/a-lenda-do-rei-arthur-algumas-curiosidades/#comment-63576

terça-feira, 14 de junho de 2016


Agora, uma crônica da minha autoria:

AMOR NO LIXO
Deusdélia Pereira Vilas Boas

          Manhã fria em São Paulo, no coração de São Miguel Paulista, Zona Leste da capital. Uma corrente gélida enfiava-se em meio aos fios tão bem urdidos do meu casaco e estremecia-me o corpo. Outro era o estremecimento da minha alma. Isso sim, naquele dia, mudaria minha percepção sobre o amor. A rua, já tomada pelo formigueiro humano de todo dia, obrigava os transeuntes a se apertarem diante de uma agência bancária. Não sei se contei que o fato ocorreu numa das avenidas mais movimentadas do bairro o que tornava turva a visão de qualquer observador sobre os episódios que realmente brotavam da multidão em trânsito por ali. 

Embora o intuito de cada indivíduo que tomara seu lugar na fila fosse, primeiramente, o de realizar alguma transação financeira, uma cena incrível me obrigou a uma leitura rápida ali mesmo, em pé, na barulhenta calçada. Todavia, o clima gelado não era empecilho para a fila que se esticava e tomava forma em frente a tal agência em São Miguel Paulista. A extensão de quase meia quadra evidenciava tanto a velha e tradicional fila da qual, dificilmente, o brasileiro poderia escapar como também parecia obra da providência: oportuno testemunho de um fato intrigante entre dois moradores de rua. Essa cena jamais seria apagada da minha memória leitora, inquieta e perscrutadora dos fatos. 

Mês dos Namorados, dos amantes, dos casados, dos mal ajuntados, dos estáveis e instáveis. Não importava que tipo de conjunção cada um admitisse... Mas a verdade é que resmunguei decidida para um colega, professor de Biologia:
- Dar-lhe um real? Jamais!! Levanto-me de madrugada, trabalho de aula a aula... Como? Um real para quê?
- Senhora, um real, por favor!! – insistia o morador mais novo daquele lugar. 

Novo pelo menos para mim que acabara de conhecê-lo e não gostara de forma alguma da abordagem econômica que me fizera tão cedo do dia - embora eu já estivesse acordada, pois me pusera a corrigir, desde as duas horas da madrugada, os textos dos meus escritores mais devotados, ou mesmos os daqueles a que obriguei ao intratável ofício. Um real... Esse era o valor que, pedia às pessoas, o mendigo dono da cama bem ali, diante do meu olhar inconformado. Cama dura, desarrumada, cercada de papelão, evidenciando a noite onde dormira recentemente o casal – fato que não perturbara meu espírito frio naquela manhã.

Apesar das evidências sobre nossa diferença social, decididamente, eu recusei a ouvir seu pedido. Afinal, quem em lúcida consciência sobre a vida, o estudo, o trabalho, a justiça, o esforço lhe daria um real? Certamente muitos se condoeram do homem mal vestido, mal agasalhado, mal interpretado, malquisto, mal apresentado, malcheiroso, mal tudo...

Continuava imersa nessas curtas reflexões tendenciosas, tentando dar significado à minha permanência naquela fila, pois, honradamente, conquistara meu salário, minha vida, minha amargura, meu pesar, minha indiferença...  E mais: sentia-me dona do meu destino, da minha completa indignação quando os vi a conversarem a poucos metros da fila. Não fora possível saber sobre o que falavam e continuei a entabular conversa com o colega sem insistir em entender qualquer ponto ou vírgula da prosa entre os dois, aparentemente desinteressada.

Não demorou muito quando vi o homem retornando com uma garrafa suja. De posse do objeto, a mulher entornou-o e de um gole só devorou o seu conteúdo. Foi exatamente naquele momento que me enxerguei pelo avesso. 

A mulher que, usava chinelos velhos para agasalhar os dedos sujos, voltou-se  para o pobre homem e puxou-o para junto de si, colando o seu corpo no dele, de forma que o céu tornou-se o seu teto iluminado, e deu-lhe um beijo cinematográfico.

Não sei se todos viram como vi. Mas, se eu não ganhara algum beijo naquela manhã, bem-aventurada era aquela mulher, porque soube retribuir o gesto do companheiro de sorte, parceiro da cama de papelão, amante das calçadas de São Paulo, cuja costela aquecia as suas noites frias.

E agora o beijo? Nossa! Ele nem percebeu que ela era banguela, nem reclamou da falta de perfume, muito menos do cabelo sem corte, sem escova, sem chapinha. Simplesmente deixou ser beijado por ela naquela manhã fria dos namorados. 

Não sei se tomada de inveja, de surpresa, de mal-estar social, fui obrigada a engolir a seco a verdade incontestável: os dois mereciam o dinheiro. Um real não era nada diante daquela demonstração de afeto, de amor... Portanto, o tal sentimento mostrou sua face magnetizada, vivaz, sem teto - porque ali - contando apenas com o céu por testemunha, ou melhor, comigo, aluna da maior lição: AMOR no LIXO – longe do lençol branco perfumado, da cama macia, do teto, das velas, dos jantares, dos presentes – AMOR no LIXO, simplesmente AMOR.

A partir de hoje vou publicar os 30 melhores contos segundo "Homo Literatus". Incrível! Dos brasileiros, só Machado de Assis entre os escritores escolhidos - com o conto "Missa do Galo".

Confiram o primeiro:

À Deriva
Horácio Quiroga

O homem pisou algo brando e mole e, em seguida, sentiu a picada no pé. Saltou para frente, e ao se voltar com um palavrão, viu a jararacuçu que se recolhia sobre si mesma; preparava outro ataque.

O homem lançou uma rápida olhada a seu pé, de onde duas gotinhas de sangue engrossavam dificultosamente, e então sacou o facão da cintura. A víbora viu a ameaça, e fundiu mais a cabeça no centro mesmo de sua espiral; porém o facão caiu sobre ela, deslocando-lhe as vértebras.

O homem abaixou-se para olhar a mordida, limpou as gotinhas de sangue, e durante algum tempo contemplou. Uma dor aguda nascia dos dois pontinhos violeta, e começava a expandir-se por todo o pé. Apressadamente, amarrou o tornozelo com o lenço que trazia amarrado à cintura, e seguiu pela picada até seu rancho.

A dor no pé aumentava, e de repente, o homem sentiu dois ou três fulgurantes pontadas que como relâmpagos haviam-se irradiado da ferida, até a metade da panturrilha. Movia a perna com dificuldade; uma sede metálica na garganta, seguida de uma sede ardente, arrancou-lhe outro palavrão.

Chegou finalmente ao rancho, e abraçou a roda do moinho. O dois pontinhos violeta desapareciam agora na monstruosa inchação do pé inteiro. Parecia-lhe enfraquecida, e a ponto de ceder, de tão tensa. O homem quis chamar sua mulher, mas sua voz se quebrou num grunhido rouco de garganta ressecada. A sede o devorava.

— Dorotea! — conseguiu lançar um grito. — Me dá cachaça!

Sua mulher correu com um copo cheio, que o homem sorveu de três tragos. Porém não havia sentido gosto algum.

— Te pedi cachaça, não água! — rugiu de novo. — Quero cachaça!

— Mas é cachaça, Paulino! — protestou a mulher, espantada. 

— Não, me deste água! Quero cachaça, te digo!

A mulher correu outra vez, voltando com o garrafão. O homem bebeu um atrás do outro três copos, porém não sentiu nada na garganta.

— Bom, isto está feio... - murmurou então, olhando seu pé lívido e já com um brilho gangrenoso. Sobre a intensa atadura do lenço, a carne transbordava como uma pavorosa morcela.

As dores fulgurantes sucediam-se em relâmpagos contínuos, e chegavam agora à virilha. Além disso, a atroz sequidão da garganta que o esforço parecia esquentar mais, aumentava. Quando pretendia encorpar-se, um fulminante vômito manteve-o meio minuto com a testa apoiada na roda de madeira.

Mas o homem não queria morrer, e descendo à costa, subiu em sua canoa. Sentou-se na popa e começou a remar até o centro do Paraná. Ali, a correnteza do rio, que nas imediações do Iguaçu corre por seis milhas, o levaria antes de cinco horas a Tacurú-Pucú.

O homem, com fatigada energia, pode efetivamente chegar até o meio do rio; no entanto, ali suas mãos dormentes deixaram cair o remo na canoa, e por causa de um novo vômito — de sangue esta vez —, dirigiu um olhar ao sol que transpunha a montanha.

A perna inteira, até metade da coxa, era já um pedaço disforme e duríssimo que rompia a roupa. O homem cortou a ligadura e abriu a calça com a faca: a parte inferior desbordou inchada, com grandes manchas lívidas e terrivelmente dolorosas. O homem pensou que não poderia jamais chegar sozinho a Tacurú-Pucú, e decidiu pedir ajuda a seu compadre Alves, embora fizesse muito tempo estivessem intrigados um com o outro.

A correnteza do rio precipitava-se agora para a costa brasileira, e o homem pode facilmente atracar. Arrastou-se pela picada costa acima, porém a vinte metros, exausto, ficou estendido de costas.

— Alves! — gritou com a força que pode; e prestou atenção em vão.

— Compadre Alves! Não me negue este favor! — clamou de novo, levantando a cabeça do solo.

No silêncio da selva, não se ouviu um só rumor. O homem teve ainda forças para chegar até sua canoa, e a correnteza, apoderando-se dela de novo, levou-a à deriva.

O Paraná corre ali no fundo de uma imensa depressão, cujas paredes, com altura para lá de cem metros, estreitam funebremente o rio. Desde as margens cercadas de negros blocos de basalto eleva-se o bosque, negro também. Adiante, às costas, sempre a eterna muralha lúgubre, em cujo fundo o rio afunilado se precipita em incessantes erupções de água lodosa. A paisagem é agressiva, contudo, sua beleza sombria e calma cobra uma majestade única.
O sol havia já havia caído, quando o homem, estendido no fundo da canoa, teve um violento calafrio. E, de repente, com assombro, pôs na vertical pesadamente a cabeça: sentia-se melhor. Somente a perna lhe doía, a sede apagava-se, e seu peito, livre já, abria-se em lenta inspiração.

O veneno começar a ir-se, não havia dúvida. Achava-se quase bem, e embora não tivesse forças para mover a mão, contava com a vinda do orvalho para repor-se todo. Calculou que antes de três horas estaria em Tacurú-Pucú.
O bem-estar progredia e, com ele, uma letargia cheia de recordações. Não sentia mais nada na perna nem no ventre. Viveria ainda seu compadre Gaona em Tacurú-Pucú? Por acaso veria também seu ex-patrão, mister Dougald, e o encarregado de obras?

Chegaria repentinamente? O céu, a poente, abria-se agora num resplendor de sangue, e o rio se havia avermelhado também. Da costa paraguaia, já em trevas, a montanha deixava cair sobre o rio sua frescura crepuscular, em penetrantes eflúvios de flores de laranjeiras e mel silvestre. Um casal de araras cruzou o céu muito alto e em silêncio até o Paraguai.

Lá embaixo, sobre o rio de ouro, a canoa derivava velozmente, girando de tempos em tempos sobre si mesma, ante a erupção de um remoinho. O homem que ia nela se sentia cada vez melhor, e pensava no tempo justo em que havia passado sem ver seu ex-patrão Dougald. Três anos? Talvez, não tanto. Dois anos e nove meses? Talvez. Oito meses e meio? Isso sim, certamente.

De repente, sentiu que estava gelado até o peito. Que seria? E a respiração...

Ao madeireiro de mister Dougald, Lorenzo Cubilla, havia conhecido em Puerto. Esperança em Sexta-feira Santa...Sexta-feira? Sim, ou quinta-feira...

O homem estendeu lentamente os dedos da mão.

— Uma quinta-feira...

E parou de respirar.
ATENÇÃO:
O conto “À Deriva” foi extraído do livro “Cuentos de Amor, de Locura y de Muerte”, publicado em 1917. A tradução livre é de Jádson Barros Neves.
 PS.:Sobre a sua vida e obra (Vale a pena ler): 

http://www.lpm.com.br/site/default.asp?TroncoID=805134&SecaoID=948848&SubsecaoID=0&Template=../livros/layout_autor.asp&AutorID=638060 

FONTE: http://www.jornalopcao.com.br/posts/opcao-cultural/-deriva